Friday, April 23, 2010

VAMOS CONSIDERAR a questão da auto-ilusão, as ilusões a que a mente se entrega e cria para si própria e para os outros. Este assunto é muito sério, especialmente numa crise como a que o mundo atravessa. Mas para compreender todo este problema da auto-ilusão temos de o investigar não só a nível verbal, mas intrínseca, fundamental e profundamente.Satisfazemo-nos facilmente com palavras e «contrapalavras», temos uma mentalidade mundana, e sendo assim tudo o que podemos fazer é esperar que alguma coisa aconteça. Constatamos que a explicação da guerra não põe fim à guerra – inúmeros historiadores, teólogos e pessoas religiosas explicam a guerra e como ela surge, mas as guerras continuam, cada vez mais destruidoras.Aqueles de nós que são realmente sérios, TÊM DE PASSAR ALÉM DAS PALAVRAS, TÊM DE PROCURAR ESSA REVOLUÇÃO FUNDAMENTAL DENTRO DE SI MESMOS. É ela a única solução que pode criar uma redenção duradoura, fundamental, da humanidade.Do mesmo modo, quando investigamos esta espécie de auto-ilusão, penso que temos de evitar quaisquer explicações e respostas superficiais; devemos não só escutar o que é dito, mas também examinar o problema tal como o conhecemos na vida diária; isto é, devemos observar-nos a nós mesmos no pensar e no agir, observar como afetamos os outros e como continuamos a agir, a partir de nós mesmos.Qual é a razão, a base, da auto-ilusão? Quantos de nós se apercebem de que estamos a iludir-nos a nós mesmos? Antes de podermos responder à questão «Que é a auto-ilusão e como é que ela nasce?», não teremos de aperceber-nos de quando estamos a auto-iludir-nos? Saberemos que estamos a iludir-nos a nós mesmos? E o que queremos com estas ilusões? Penso que é muito importante sabê-lo, porque quanto mais iludimos a nós mesmos maior é a força da ilusão, porque ela nos dá uma certa vitalidade e energia, uma certa capacidade para impormos aos outros essa ilusão. Assim, gradualmente, estamos não só a impor ilusões a nós mesmos, mas também a outros. É um processo recíproco de auto-ilusão. Será que nos apercebemos deste processo? Julgamos que somos capazes de pensar muito lucidamente, com objectivos definidos e de modo direto. Mas teremos a percepção de que neste processo de pensar há auto-ilusão?Não será o próprio pensamento um processo de busca, de justificação, de segurança, de autoproteção, um desejo de ter boa reputação, de ter posição, prestígio e poder? Neste DESEJO DE SER, política ou religiosa-sociologicamente, não está a causa da autoilusão? No momento em que desejo algo diferente das necessidades puramente materiais, não faço nascer um estado que aceita facilmente as coisas? Vejamos, por exemplo, isto: muitos de nós estão interessados em saber o que acontece depois da morte; quanto mais idosos ficamos, mais interessados ficamos. Queremos saber a verdade a esse respeito. Como iremos encontrá-la? Certamente que não por meio de leituras ou de diferentes explicações.Como a descobriremos? Primeiro, temos de libertar a nossa mente, por completo, de todos os fatores que nos impedem o caminho – toda a esperança, todo o desejo de continuar, todo o desejo de saber o que está do outro lado. Porque a mente está sempre a procurar segurança, tem desejo de continuar, e a esperança de encontrar um meio de se satisfazer, numa existência futura. Essa mente, embora esteja a procurar a veradde da vida depois da morte – a reincarnação ou seja o que quer que for, é incapaz de descobrir essa verdade, não é assim? O importante não é saber se a reincarnação é verdade ou não, mas como a mente procura, através da autoilusão, a justificação de um fato que pode ser ou não verdadeiro. O que é importante é a abordagem que se faz do problema, com que motivação, com que interesse, com que desejo a fazemos.Aquele que procura está sempre a impor esta ilusão a si mesmo, ninguém pode impor-lha, é ele que o faz. Criamos a ilusão e então tornamo-nos seus escravos. O fator fundamental da auto-ilusão é este constante desejo de ser alguma coisa neste mundo e no outro. Sabemos o resultado de desejar ser alguma coisa neste mundo: a mior confusão, onde cada um está a competir com outro, cada um a destruir o outro, em nome da paz; conhecemos todo esse jogo que jogamos uns com os outros, que é uma forma extraordinária de autoilusão. De modo semelhante, desejamos segurança no outro mundo, uma posição.Começamos assim a iludir-nos a nós mesmos no momento em que existe esse impulso para ser, «vir a ser» ou atingir. É muito difícil a mente libertar-se disso. É um dos problemas básicos da nossa vida.Será possível viver neste mundo e ser NADA? Só então será possível libertarmo-nos de toda a ilusão, porque só então a mente não está a procurar um resultado, não está a procurar uma resposta satisfatória, a procurar qqualquer justificação, não está a procurar segurança sob qualquer forma, em qualquer relacionamento. Isso só acontece quando a mente compreende as possibilidades e subtilezas da ilusão e portanto, com compreensão, anbandona toda a forma de justificação, de segurança – o que quer dizer que a mente é então capaz de ser completamente anónima, de ser NADA. Isso é possível?Enquanto nos estivermos iludindo sob qualquer forma, não pode haver Amor. Enqaunto a mente for capaz de criar uma ilusão e de a impor a si mesma separa-se obviamente da compreensão colectiva ou integrada. É esta uma das nossas dificuldades: não sabemos cooperar. Tudo o que sabemos é tentar trabalhar juntos para um fim que projetamos. Só pode haver cooperação quando tu e eu não temos um projeto comum, criado pelo pensamento. O que é importante é compreender que a cooperação só é possível quando tu e eu não desejamos ser alguma coisa. Quando tu e eu desejamos ser alguma coisa, então a crença e tudo o mais tornam-se necessários – uma utopia autoprojetada é necessária. Mas se tu e eu estamos a criar anonimamente, sem qualquer autoilusão, sem quaisquer barreiras de crenças e de conhecimentos, sem um desejo de estar seguro, há então verdadeira cooperação.Será possível cooperarmos, estarmos juntos sem um fim em vista? Será que seremos capazes, tu e eu, de trabalhar juntos sem procurar um resultado? Isso é, sem dúvida, cooperação. Se tu e eu pensarmos, trabalharmos, planearmos um resultado, qualé então o processo envolvido? Os nossos pensamentos, as nossas mentes intelectuais estão evidentemente a encontrar-se, mas, emocionalmente, o nosso ser total pode estar a resistir a isso, o que cria ilusão, confliro entre mim e ti. É um fato evidente e observável na nossa vida diária. Tu e eu estamos de acordo intelectualemnte em fazer uma parte do trabalho, mas inconscientemente, profundamente, tu e eu estamos a lutar um contra o outro. Eu quero um resultado que me dará satisfação; quero dominar; quero o meu nome à frente do teu, embora pensemos que estamos a trablhar juntos. Assim, ambos, que criámos esse plano, estamos de fato em oposição um ao outro, embora exteriormente (e superficialmente) tu e eu concordemos com o plano.Não será importante descobrir se tu e eu somos capazes de cooperar, estar em comunhão, viver juntos num mundo onde tu e eu somos anónimos, somos NADA; descobrir se tu e eu somos capazes de cooperar, não no nível superficial, mas fundamentalmente? É esse um dos nossos maiores problemas, talvez o maior. Eu identifico-me com um objetivo e tu identificas-te com o mesmo objetivo, ambos estamos interessados nele; ambos temos a intenção de o levar a bom termo. Este processo de pensar é muit superficial, porque pela identificação criamos separação – o que é muito claro na nossa vida diária. Tu és hindu e eu sou católico; todos pregamos a fraternidade e estamos dispostos a matar-nos. Porquê? É esse um dos nossos maiores problemas, não é assim? Inconsciente e profundamente tu tens as tuas crenças e eu tenho a minha. Ao falar de fraternidade, não resolvemos todo o problema das crenças, apenas teórica e inteletualmente é que estamos de acordo que isto deve ser assim; interiormente e profundamente, estamos um contra o outro.Até resolvermos estas barreiras que são uma auto-ilusão, que nos dão uma certa vitalidade, não pode haver cooperação entre ti e mim. Através da identificação com um grupo, com uma determinada ideia, nunca poderemos criar cooperação.A crença não produz cooperação; pelo contrário, divide as pessoas. Vemos como um partido político está contra outro, cada um acreditando numa certa maneira de lidar com os problemas económicos, e assim estão todos em guerra uns com os outros. Não estã empenhados em resolver, por exemplo o problema da fome. Estão interessados em teorias que «vão resolver» esse problema. Não estão de fato empenhados no problema em si, mas no método pelo qual o problema será resolvido. Tem portanto de existir discórdia entre eles porque estão interessados na ideia e não no problema. De modo semelhante, as pessoas religiosas estão umas contra as outras, embora verbalmente diigam que têm todas uma vida e um só Deus; sabemos tudo isso. Interiormente as suas crenças, as suas opiniões, as suas experiências estão a destruí-las e a mantê-las separadas.A experiência torna-se um fator separatrivo no nosso relaciuonamento humano; a experiência é um modo de nos iludirmos. Se eu experienciei alguma coisa fico agarrado a ela, não investigo todo o problema do processo de experienciar, mas, porque tive a experiência, isso é o suficiente e apego-me a isso; daí que imponho, através dessa experiência, a autoilusão.A nossa dificuldade é que cada um de nós está tão identificado com uma forma particular ou com um método de produzir felicidade, bem estar económico, que a nossa mente está presa por isso e, somos incapazes de aprofundar o problema; desejamos, portanto, ficar individualmente alheados na nossa maneira de agir, nas crenças e experiências. Até sermos capazes de as dissolver, pela compreensão – não só no nível superficial, mas também no nível mais profundo. É por isso que é importante, para os que são realmente sérios, compreender todo este problema – o desejo de «vir a ser», de alcançar, de ganhar – não só ao nível superficial, mas fundamental e profundamente; de outro modo não pode haver paz no mundo.A Verdade não é para ser conquistada. O Amor não pode chagar àqueles que têm um desejo de se apegar a ele, ou que gostam de se identificar com ele. Tanto o Amor como a Verdade, seguramente vêm quando a mente não procura, quando a mente está completamente serena, não amis criando movimentos e cxrenças dos quais possa depender, ou dos qauis lhe venha uma certa força, o que é uma indicação de autoilusão. Só quando amente compreende este processo do desejo, é que ela pode estar tranquila. Só então a mente não está em movimento para ser ou não ser; só então é possível um estado no qual não há qualquer espécie de ilusão.” Krishnamurti, in: “O Sentido da Liberdade”, da Presença

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