Wednesday, April 14, 2010

“O sofrimento é uma forma aguda de perturbação de que não gosto. O meu filho morreu, por exemplo. Reuni à sua volta todas as minhas esperanças – ou à volta da minha filha ou do meu marido, de quem quisermos. Projectei nesse filho tudo o que eu queria que ele fosse e fiz dele a minha companhia. De repente ele partiu. Há portanto uma perturbação, não é verdade? A essa perturbação chamo sofrimento.
Se não gostar desse sofrimento (eventualmente há sofrimento, talvez em pequena quantidade, como alguma saudade, que pode ser igual a gozo), então digo «Por que sofro?», «Amava-o tanto!», «Ele era assim», «Eu tinha-o». Tento fugir através de palavras, de rótulos, de crenças (mas deve estar no céu, está melhor agora…), como a maior parte de nós faz. Isso atua como um narcótico. Se eu não agir desse modo, o que acontecerá? Fico simplesmente atento ao sofrimento.
Não o condeno, não o justifico – estou a sofrer. Depois, posso seguir o seu movimento, todo o conteúdo do que ele significa - «sigo» no sentido de tentar compreender algo.
O que quer isto dizer? O(quem) é que sofre? Não por que é que há sofrimento, não qual é a causa do sofrimento, mas sim o que é que está de fato a acontecer. Não sei se está a ver a diferença. Assim estou apenas com atenção ao sofrimento (diria mais concentração, apesar de, normalmente K. privilegiar a atenção, que considera mais vasta e não exclusivista, à concentração), não como estando separado dele, não sendo um observador olhando (estupidamente?) para o sofrimento – este faz parte de mim, é o todo, que eu sou, que sofre. E, então serei capaz de seguir o seu movimento, ver para onde ele se dirige. Claro que se fizer deste modo ele desvenda-se, não é verdade? E verei que tinha dado mais importância ao «eu» do que á pessoa que “amo”. (Isto é: cada sofrimento terá a sua causa, mas, existe também uma Causa absoluta do sofrimento, a saber: o egoísmo =estupidez, pois, Vida = Relação, o contrário de egoísmo; logo, ser egoísta é como que andar a bater sempre com a cabeça nas paredes; como pode isso não dar em sofrimento?)

Págs. 59 e 160 de: “ O Sentido da Liberdade”, de K. da Presença

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