Monday, April 19, 2010
Eu vejo K. assim: sobre os assuntos importantes, todos possivelmente, que falou e que estão escritos, ele sempre vai à raiz das questões, à pura verdade, às últimas consequências. Convidando-nos, de modo algum com a insistência dos ditadores, pequenos e grandes, à compreensão dessa pura verdade fatual e à sua vivência. Tenho na minha frente um texto de K. sobre o MEDO. Tenho presente a essência da sua doutrina, de origem budista, que se resume em meia dúzia de linhas: o desejo é a base do sofrimento; só há uma coisa a fazermos: deixarmos de desejar, mas, nunca pela compulsão. O fim do desejo e da dor é pela perfeita compreensão desta e das demais verdades, nomeadamente como ele as explana. E, sem a desejar ainda, há uma felicidade, um êxtase, uma inteligência integradas… O apego e a identificação, sem ir para o desprezo, são coisas a evitar, pela compreensão. Consideremos pois um resumo do texto referido. “… O medo só pode existir em relação a alguma coisa, não isoladamente. Como posso ter medo da morte… de alguma coisa que não conheço?... Quando digo que tenho medo da morte, será que tenho realmente medo do desconhecido – a morte – ou de perder aquilo que conheço? O meu medo não é da morte, mas de perder a minha ligação às coisas que me pertencem… Vamos pois investigar como nos libertarmos do medo do conhecido… de perdermos família, reputação, caráter, conta, aquilo que desejamos… Medo nasce da consciência… que é resultado do conhecido (conhecimento e experiências tidos ou não tidos) dos nossos condicionamentos, que são ideias, lembranças, opiniões… um sentimento de continuidade em relação ao conhecido. Temos ainda medo de descobrir o que somos, de ficarmos confusos/perdidos, da dor que pode vir, de não ter mais prazer… Há medo da dor. A dor física é uma reação nervosa, mas a dor psicológica surge quando estou apegado a coisas que me dão satisfação e que tenho medo me possam roubar/tirar… Trabalhamos, acumulamos conhecimentos, crenças e experiências que evitam a perturbação, que nos resguardam da dor física e psicológica… Temos medo que as/nos perturbem. O problema é que a dor é inerente ao próprio processo de acumulação, nomeadamente ao esforço. O medo do desconhecido é portanto o medo de perder o conhecido acumulado. Agora se segurança, em particular a psicológica, mas também a física, não existe, desejá-la e procurá-la é… criar o medo e o sofrimento que acarreta. Por exemplo: sentimo-nos inseguros fisicamente; desejamos a segurança física; assim criamos um governo que necessita de forças armadas, o que significa guerra, a qual agrava a insegurança. ONDE QUER QUE HAJA O DESEJO DE PROTEÇÃO EXISTE MEDO. Procurar segurança é um erro, um engano. (O mesmo para o ganho). Quando vemos o engano da procura de segurança deixamos de acumular (e de nos esforçar). Se dizemos que compreendemos isto, mas não somos capazes de deixar de acumular, isso é porque não compreendemos realmente. A crença pertence à acumulação. Acreditamos no descanso eterno, na reencarnação para diluir o sofrimento. Mas, no próprio processo de acreditar há dúvida, que é dor. Não adianta pois acreditar, a não ser nos fatos, não em coisas duvidosas. Enquanto desejarmos vir a ser alguma coisa, ter resultados tem de haver sofrimento. Temos de deixar de egoisticamente acumular coisas exteriormente, e interiormente crenças, o que não quer dizer inação, a fim de deixarmos de causar guerras e dor. As próprias coisas que fazemos para nos protegermos do sofrimento nos trazem o medo e a dor. O medo também surge quando desejamos viver/vivemos de acordo com um certo padrão/quadro/sistema. Procurar um determinado modo de viver é em si mesmo uma fonte de medo (tenho medo de não conseguir…). Ver a verdade disto é aptidão para o quebrar das molduras; entretanto, quebrar as molduras com o “objectivo” de nos libertarmos do medo seria outro padrão que só causaria mais medo e dor. Que fazermos então? Nada, não é? Temos de ficar com/olhar muito bem os problemas, sem agir. E, sem movimento, silenciosa, tranquila e pacificamente, unicamente olhando para a moldura… descubro que a própria mente é o quadro, o padrão; a mente vive no padrão habitual que criou para si mesma. A própria mente é o medo… Portanto seja o que quer que a mente faça para se ver livre do medo, só gera mais medo. O medo encontra várias fugas. A variedade mais comum é a identificação – identificação com um país, uma sociedade, uma ideia, um filho, a esposa, com uma certa forma de ação ou de inacção. A identificação é um processo de auto-esquecimento. Enquanto estamos (muito) conscientes do eu, sabemos que há dor, luta, medo constante. Mas, se formos capazes de nos identificarmos com alguma coisa maior, que valha a pena – como a beleza, a vida, a verdade, uma crença, o conhecimento – pelo menos temporariamente há uma fuga ao eu, não é? Se falo da pátria, de Deus, se me identifico com a família, um partido, um clube, uma ideologia, então há uma fuga temporária. A identificação, tal como o cultivo da virtude, são portanto formas de fugir do eu. A virtude não pode ser cultivada. Quanto mais tentamos tornar-nos virtuosos, mais força damos ao eu. Esta forma de combater o medo apegando-nos a um seu substituto aumenta sempre a nossa luta. Não será o medo também a não aceitação de O QUE É, não no sentido de esforço em aceitar? Isto é: o que é, é; não é para aceitar nem para rejeitar (nem possivelmente para compreender totalmente, digo eu; o que é, é para se desfrutar, para se viver! Mas, se em vez de assim proceder, se, quando não vemos claramente O QUE É, e ao invés de o viver abundantemente, introduzimos o processo de aceitação ou rejeição, surge o MEDO. Ora, o medo é uma grande obstrução, um bloqueamento, um enorme obstáculo ao nosso movimento… Sabemos que, quando não há obstáculos há uma extraordinária alegria. Quando o corpo está saudável há alegria e bem estar. O mesmo para a mente completamente livre, sem qualquer bloqueio, quando o centro de (re)conhecimento que é o eu não está presente. Há compreensão e liberdade em relação ao eu somente quando sou capaz de o olhar completa e integralmente como um todo (fazendo parte do Todo); e só somos capazes de fazer isto quando compreendemos na totalidade o processo de toda a atividade nascida do desejo que é a própria expressão do pensamento – o pensamento é o desejo. Se formos capazes de compreender isto, então saberemos se há possibilidade de transcendermos as limitações do “eu”.
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