Monday, April 12, 2010

SOBRE A TRANSFORMAÇÃO

Pergunta: O que entende o senhor por transformação?

Krishnamurti: É óbvio que tem de acontecer uma revolução radical. A crise mundial exige-a. As nossas vidas também exigem essa transformação. Os nossos problemas pedem que haja uma mudança. Tem de haver uma revolução fundamental, radical, porque tudo à nossa volta está em colapso. Ainda que pareça haver ordem, existe de fato destruição e uma lenta queda: a onda da destruição está constantemente a sobrepor-se à onda da vida.
Portanto, tem de acontecer uma revolução – mas não uma revolução baseada numa ideia (nem num homem ou mulher). Uma revolução baseada numa ideia será meramente a continuação da(s) ideia(s), e não uma transformação radical. Uma revolução baseada numa ideia traz derramamento de sangue (vermelho, branco ou de outras cores…), fragmentação, caos. Não se pode criar ordem a partir do caos. Não somos os «escolhidos de Deus», para podermos gerar ordem a partir da confusão. Estamos perante um falso modo de pensar por parte daquelas pessoas que querem gerar mais e mais confusão para que depois possa existir ordem. Porque no momento em que estão no poder, elas assumem que sabem todas as maneiras de se produzir ordem ( Confusão, terra queimada, morte, destruição… Primeiro só desordem, depois só ordem… Um pouco como a separação radical do bem e do mal, não é?). Vendo a globalidade de toda esta catástrofe – a constante repetição de guerras, o infindável conflito entre classes sociais e entre os povos, a enorme desigualdade económica e social, a distância entre os que estão felizes, os que não são incomodados, e aqueles que são apanhados pelo ódio, pelo conflito e pela desgraça – observando tudo isto, tem de acontecer uma revolução, uma transformação completa, não é verdade?
Será essa transformação, essa revolução radical uma coisa definitiva, ou será algo que acontece momento a momento? Sei que gostaríamos que fosse uma coisa final, porque é muito fácil pensarmos em termos de distância temporal. «Um dia seremos transformados»; «um dia seremos felizes»; «um dia encontraremos a Verdade»; entretanto, nada acontece. Certamente que uma tal mente, pensando em termos de futuro, é incapaz de agir no presente (o mesmo para a que está sempre a pensar em termos de passado); assim, essa mente não busca a transformação, está simplesmente a evitar a transformação. O que quer dizer transformação?
A transformação não está no futuro, nunca poderá estar no futuro. Ela só pode estar no agora, em cada momento. Assim, o que queremos dizer com transformação? É decerto muito simples: ver o falso como falso e o verdadeiro como verdadeiro; ver a verdade do falso e ver o falso naquilo que é aceite como verdadeiro. A transformação é ver o falso como falso e o verdadeiro, porque quando vemos muito claramente uma coisa como sendo verdadeira, essa liberdade liberta. (E) quando vemos que algo é falso, essa coisa falsa desaparece. Quando vemos que as cerimónias são meras e vãs repetições, quando vemos a verdade disso e não arranjamos justificações, acontece uma transformação, porque terminou mais uma dependência. Quando vemos que a diferença de classes (qualquer classe, claro) é falsa, que isso gera conflito, infelicidade, divisão entre pessoas – quando vemos a liberdade disso, essa mesma liberdade liberta-nos. A própria percepção dessa verdade é transformação. Estando rodeados de tanta coisa falsa, percepcionarmos a falsidade, momento a momento, é, em si, transformação. A Verdade não é acumulativa. Ela está presente em todos os momentos. Aquilo que é acumulativo, que se junta, é memória, e através da memória nunca podemos encontrar a Verdade, porque a memória pertence ao tempo – tempo sendo passado, presente e futuro. O tempo, que é continuidade, nunca pode encontrar aquilo que é eterno. A eternidade está no momento, no agora.. O agora não é reflexo do passado nem é a continuação do passado atravessando o presente e seguindo em direção ao futuro. (Isto não quer dizer que no eterno não há movimento, mas tão somente que cada momento é sempre novo, perfeito e bom, não é?)

Págs, 268 e 269 de: “O Sentido da Liberdade”, de J. Krishnamurti, da Editorial Presença, Lisboa, 2007

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