Wednesday, May 19, 2010

“Não sei se alguma vez meditastes; se alguma vez estivestes sós convosco mesmos, distantes de tudo e de toda a gente, de todo o pensamento – se alguma vez estivestes assim completamente sós, e não isolados nem retirados num qualquer sonho ou visão fantasista, unicamente distanciados de modo que em vós nada reste de reconhecível, nem nada que toqueis pelo pensamento nem pelo sentimento. Tão distante que nessa solitude (privacidade) plena o próprio silêncio se torne a única flor, a única luz e aquela qualidade intemporal que não pode ser mensurável pelo pensamento. Somente numa meditação assim toma o amor existência. Não vos incomodeis em expressá-lo; ele expressa-se a si mesmo. Não o utilizeis nem tenteis pô-lo em ação; ele actua, e quando age, essa ação não contém nem remorso, nem pesar, nem contradição, nem tristeza nem sofrimento. Assim, meditai sós; perdei-vos sem tentar lembrar onde estivestes. Se tentardes relembrá-lo, então trata-se de uma coisa morta. E se vos agarrardes à lembrança disso então nunca mais ficareis a sós de novo . Assim, meditai nessa solitude sem fim, na beleza desse amor, nessa inocência do novo – e então surge uma bênção imperecível.O céu estava bem azul, com um azul que sobrevém depois das chuvas, chuvas essas que vieram ao fim de muitos meses de seca. Depois das chuvas os céus ficam lavados de novo, as colinas rejubilam e a terra fica calma. Cada folha contém em si a luz do sol e o sentimento da terra está muito chegado a nós. Por isso meditai nos próprios recessos secretos do vosso coração e mente (sempre com um correspondente físico esterior), onde nunca antes estivestes.Naquela manhã o céu assemelhava-se a um lago ou um enorme rio sem ondulação, tão calmo que nós podíamos perceber os reflexos das estrelas, cedo que era de madrugada. Esta ainda não despontara e por isso percebíamos as estrelas, os reflexos do rochedo e as luzes distantes da cidade na água. À mediada que o sol aparecia no horizonte de um céu sem nuvens, estabelecia um caminho dourado; era extraordinário ver essa luz da Califórnia inundar cada folha, a relva, a terra. À medida que olhávamos sobrevinha-nos uma grande sensação de calma. O próprio cérebro tornava-se muito silencioso, sem reação nenhuma, sem um único movimento; era estranho sentir esse imenso silêncio; “sentir” não é a palavra indicada. A qualidade desse silêncio, dessa quietude, não era sentida pelo cérebro, pois está além do cérebro.O cérebro pode conceber, formular ou fazer uma perspetiva (traçar um plano) para o futuro, mas essa calma está além do seu alcance, além de toda a imaginação e de todo o desejo. Ficamos tão silenciosos que o nosso corpo se tornou parte integrante da terra, e parte de tudo o que estava sereno.A certa altura soprava uma brisa delicada vinda das colinas, fazendo mexer as folhas, mas essa quietude, essa qualidade extraordinária de silêncio não sofria perturbação nenhuma.A casa encontrava-se entre as colinas e o mar, voltada para nascente. À medida que olhávamos assim, tão quietos, nós tornávamo-nos verdadeiramente parte de tudo. Éramos a luz e a beleza do amor. Mas, uma vez mais, dizer que nos tornávamos parte de tudo é errado: a palavra “nós” não é adequada porque nós realmente não estávamos lá, nós não existíamos. Existia somentee essa calma e a beleza, o extraordinário sentido do amor. As palavras nós e eu dissociam as coisas; nesse estranho silêncio e quietude, essa divisão não existe.” - K

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