Monday, July 23, 2007

A FLAMA
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Poli o teu corpo com tantas carícias,
Que ele se parece agora
Com a pedra sagrada do Al Djouf,
Lapidada por tantos lábios.
Pode o sol apagar-se e a lua cair
Que ele inundar-me-á de luz.
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O SEU SORRISO
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Quando lhe peço desculpa,
Ela limita-se a sorrir, de olhos baixos.
Que posso eu esperar de um amor tão temível?
Ela conhece o poder do seu sorriso.
Como esconder-lhe que a amo?
Tu és o meu universo,
Com colinas e jardins, fontes e searas.
Eu queria ter mil bocas.
Eu queria nunca ter sono.
Entretanto, não sou o viajante que adormece,
Todas as noites, sob sombras perfumadas?
Tu és o meu universo,
Com colinas e jardins, fontes e searas.
Quando o teu hálito passa no meu rosto
Penso nas brisas do Hedjaz,
Que desfolharam tantas rosas.
Os meus falcões emagrecem nos seus poleiros.
Os meus cavalos perdem o hábito do freio.
O brilho das minhas armas desvaneceu.
Que importa, se o brilho das tuas faces
É como o coração sangrento das romãs,
Se o teu ventre é mais macio
Que o dorso dos meus corcéis,
Se os teus beijos
São falcões sempre insaciados!
Estendido nas colinas suaves do teu corpo,
Bebo na fonte da tua boca
Abraçando as minhas searas.
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O SONO DAS POMBAS
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Elas pousaram no cedro,
Depois de andarem à volta,
Muito hesitantes.
Agora elas vão dormir.
Como todas as noites,
No ramo mais alto
Cantará um rouxinol.
Assim, eu embalo muitas vezes
O teu sono com palavras de amor.
Creio que o mesmo instinto
Guia as pombas e as raparigas
Para os jardins onde
Cantam os rouxinóis.
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TU
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A tua cabeleira é o estandarte do meu amor.
Tua fronte, morna e saliente como uma caçoleta.
Os teus olhos estão acamados no teu rosto.
Teus lábios, esta porta do Jardim.
Teus dentes, entre os lábios, como neve sobre púrpura.
A tua língua é um fruto maduro para a minha boca.
O teu pescoço é uma coluna de marfim.
Teu ombro, liso como o parapeito de um poço.
Os teus braços serão duas chamas à volta do meu corpo.
Os teus seios brotam para se darem.
Teu ventre, um átrio de mármore.
Tuas pernas, juntas como dois cordeiros receosos.
Os teus pés, que transportam a soleira da porta
E que coloco na minha fronte.
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A HORA PLÁCIDA
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Esta a hora em que os rebanhos
Se dirigem para os poços.
Espero Daoulah.
Estou deitado sobre as almofadas
Que conservam a marca do seu corpo.
Em sinal, coloquei na janela
Um vaso com uma haste de rosa.
Esta rosa sobressai
No cume de uma colina azul.
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A DANÇARINA NUA
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Ela tinha-se erguido, com as mãos na nuca.
Quando recordo a sua beleza,
Ouvir-se-á bater o meu coração.
Ela tinha executado algumas danças da sua tribo:
A dança do Sol, que era um bailado vertiginoso,
A dança da Lua, que era discreta,
A dança da Morte, que era estática.
Porém, ela não tinha executado a dança do Amor.
O Sol com o seu cortejo de alegrias,
A Lua com as suas melancolias
E a Morte com o seu cortejo de dores,
Tinham dançado diante de nós.
O amor esperava que tivéssemos juncado
De rosas o tapete da sua celebrante.
Duas crianças tinham vindo libertá-la de seus véus
E ela mandou sair os músicos.
Antes de tudo, foram os seus olhos
E as suas pálpebras aladas de cílios que dançaram.
Na cavidade das suas palmas
A cabeça pesava como um enorme fruto.
Um êxtase iluminou o seu rosto.
Ela executou três passos, com o dorso arqueado
E as mãos abertas, num gesto apaixonado.
De repente ela endireitou-se,
Estendendo-me as suas mãos
Que tinham aprisionado
O perfume das rosas.
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A VITÓRIA
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Ela disse-me:
« Que fizeste para merecer possuir-me?»»
a sua cabeleira estava espalhada pelos ombros
e as suas mãos repeliam-me.
Ela disse-me ainda:
«Ignoras que o amor é um combate?
Ó mais valoroso dos homens,
Aceitarias triunfar sem combater?»
Sorriu com desdém
E depois afastou-se para a sombra.
Os seus olhos encontraram-se com os meus.
Eu estremecia.
Ela voltou a dizer:
«Que fizeste para merecer
que me abandone nos teus braços?
Ignoras que um porta-estandarte
É sempre um guerreiro corajoso?
Tu, que tiveste mais ferimentos que Dahãl,
A pantera encantada,
Terias receio do sofrimento de amor?»
Tomei suavemente as suas mãos
E murmurei: «Talvez...»
O crepúsculo principiava.
Ciumento, tinha-se o sol escondido
Porque ela me apareceu nua?
Ela deixou as suas mãos nas minhas e repetiu:
«Que fizeste para merecer possuir-me?»
que podia eu responder?
Não sabia ela que eu ia ser vitorioso?
Ao longe, na planície,
Um pastor cantava alegremente.
E eu disse-lhe: «Escuta.»
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O MERCADOR DE PERFUMES
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Tu pretendes que Karoun e que Balkis
Não possuíram perfumes mais suaves que os teus.
Pretendes que os jardins de Marib
Não exalam perfumes mais penetrantes.
Não conheci nem Karoun, nem Balkis.
Nunca atravessei os jardins de Marib.
Mas respirei o perfume da minha bem-amada.
Agora, ela dorme nas sombras do Paraíso.
E eu procuro o seu perfume.
Procurei-o no vento do sul
Que tinha devastado oásis,
No vento do norte,
Que tinha acariciado
As flores brancas das montanhas.
Procurei-o no hálito da primavera.
Mas o hálito da primavera
Não continha aromas suficientes.
O vento do norte não tinha acariciado
Os seios da minha bem-amada.
E o vento do sul não tinha emaranhado
A sua cabeleira.
Mercador de perfumes,
Não me mostres os teus frascos.
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MIRAGEM
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Eu adormecera. E sonhava
Que uma caravana extenuada
Atravessava um deserto
Onde eu guiava.
Uma miragem aparecera diante de mim
E esta miragem eras tu própria,
Com os lagos dos teus olhos
E os pomares do teu corpo.
Tu chamaras-me, só.
Os meus companheiros, desesperados,
Tinham-se deitado para morrer.
Acabo de pronunciar o teu nome,
Para recomeçar este sonho.
Pobre de mim, nunca de vê
Duas vezes a mesma miragem
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OS MÚSICOS
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Eu escutava os músicos de Debila.
Outrora, a minha bem-amada
Percorreu esta região.
Outrora, a minha bem-amada
Ouviu cantar as flautas de Debila.
Agora, ela já não existe.
E eu procuro-a na música
E nos perfumes que ela preferia.
Se interrogasse os músicos de Debila,
Lembrar-se-iam de ter conhecido Messaouda?
E dir-me-iam que a sua música
É dilacerante porque ela não passeia
Mais nos jardins de Debila?
Eles tocavam, de pálpebras cerradas
E a cabeça reclinada,
Como vergados sob um beijo profundo.
Não lhes perguntarei se conheceram Messaouda.
Não se pergunta aos rouxinóis
Do mês de Rebi-Al-Aouel
Se cantam para as noites perfumadas
Ou para as estrelas que se apagaram.
Fonte: «JARDIM DAS CARÍCIAS», de autor anónimo árabe do séc. X, da Farândola

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