Thursday, January 26, 2012

O que é a desgarrada?


Se falarmos com qualquer alto-minhoto, e lhe perguntarmos que é uma "desgarrada", logo a seguir dizem: então a senhora não sabe? é o cantar ao desafio. Mas, o facto de cantar ao desafio não é privativo de alto-minhotos, nem sequer de minhotos, dado que existe em outras regiões de Portugal, como também não é privativo de portugueses, já que existe, com outras denominações, é claro, em diversas regiões pelo mundo fora.

Desgarrada, tal e como reza o dicionário, é aquela canção popular que se caracteriza por ser entoada alternadamente por duas ou mais pessoas, ao desafio, sendo a letra geralmente improvisada.

Canta-se pois ao desafio em Portugal, e não só. Na Galiza este género é denominado "regueifa", e era cantado antigamente nos casamentos. Em verdade, a regueifa era o bolo de casamento que os noivos ofereciam a quem, de entre os moços, for o melhor cantador a desafiar aos outros, sempre improvisando, a reclamar a regueifa. Por extensão é que o cantar ao desafio na Galiza é chamado regueifa, e os seus cantadores regueifeiros.

Hoje em dia ficam alguns (poucos) regueifeiros velhos na zona de Bergantiños -infelizmente acaba de falecer o "Calviño"-. Mas desde a Associação ORAL estão a tentar revitalizar esta tradição, organizando work-shops e encontros, e estão a consolidar-se cantadores novos como Luís "O Caruncho" ou "Pinto de Herbón", que estão a puxar da regueifa com muita força.

Se formos para a América do sul, temos, quer no Brasil, quer na Colómbia, os "repentistas". Os repentistas são as pessoas que cantam aquilo que sai num "repente", isto é, num impulso, sem pensar. Assim tão lindamente é definido o improviso por aquelas bandas onde, ainda hoje, é uma tradição em toda a sua vigência.

Em Portugal não é só no Minho que se canta ao desafio. "... por vezes chegava lá à festa uma daquelas pessoas que tinha jeito para cantar ao desafio. Na altura encontrava-se com outra pessoa das mesmas características ... e vê-lá, que da alegria do encontro começavam a sair quadras, era uma maneira da saudar, de começar o encontro na festa.." Eis o que nos contavam em S. Pedro do Sul, na Beira Alta, a Rosa Branca e o Zé Fernando, elementos do grupo Alafum.

Os beirões chamam a este género "fado beirão" ou "fado à desgarrada", mas normalmente abreviam para fado. E, tal como os minhotos, apreciam o segundo sentido no fado. Mas reconhecem que, para a desgarrada não há como os minhotos, com a sua alegria e a sua facilidade para a piada.

Na zona de Lisboa também há desgarrada, mas em forma de fado, fado castiço. Também é divertido mas não é tanto no improviso.

No Alentejo canta-se ao desafio em duas formas diferentes: ao baldão e ao despique. No cantar ao despique parte-se de um "mote" e daí se pega num tema que se desenvolve. O cantar ao baldão já o próprio nome diz: à balda, isto é canta-se, vai-se respondendo e vai-se improvisando. Na Madeira chamam-lhe também despique e é muito parecido com o minhoto. Nos Açores há também uma forma de cantar que é "As Velhas", que se adapta a um improviso.
Fonte: http://www.edu.xunta.es
FONTE:http://fotofernandopeneiras.fotosblogue.com/30501/Tocar-e-cantar-a-desgarrada-Arcada-Braga-Portugal/


TEXTOS E LITERATURA SOBRE CANTE


O CANTE DO BALDÃO


Em volta de uma mesa sentam-se os cantadores, normalmente juntinhos e sobre a mesma dispõem-se os copos e coloca-se o mais. Buscam posições, procuram parceiros, trocam olhares fugidios, disfarçadamente miram a aparência dos concorrentes, tossem, pigarreiam, limpam a garganta, passam sugestivamente a mão pelo pescoço e invariavelmente lamentam-se pela sua fala que hoje para nada presta.
Tenho estado tão constipado ... se calhar até nem canto, é o costume dizerem.
Mas cantam sempre, é uma desculpa adiantada para qualquer falho ou para iludir os outros se eles se fiarem nas queixas.
Entretanto, todos se aconchegam, ajeitando-se nos lugares para darem largueza ao tocador. E a campaniça começa a retenir a moda da marianita do princípio ao fim. Sempre assim foi e assim será. Tal como o rumo das cantigas, segue obrigatoriamente o percurso inverso ao sentido dos ponteiros do relógio. É um preceito. Uma regra que ficou estabelecida desde o início deste cante para que cada vez que se juntam não tenham de estar a preocupar-se com os pormenores da volta.
Mas depois dos primeiros acordes, os olhares fixam-se na boca e os sentidos nos dizeres do cantador que é o mão. Cresce a tensão, aumenta o desejo, redobra o frenesim e o silêncio do principiante é insuportável. O tocador que já percorreu a moda ponto por ponto então sustem-se, já não abala, pisa as cordas com os dedos esquerdos e desata a repetir a chamada com a unha acrescentada do polegar direito fazendo soltar à viola ganidos de impaciência. Chegados aqui, o cantador já sem saída, ganha fôlego, fecha os olhos, enterra a boina e lá vai.
Lançada a primeira cantiga, as demais já se sucedem sem tanto receio, naquele dito rodar às avessas do tempo.
Enquanto a vez não chega, matina-se na cantiga seguinte, debica-se no petisco e vazam-se os copos. Pouco se fala para não entreter, para não fazer fugir o tino e a rima.
E aos dizeres dos cantadores os outros respondem no flagrante só com incontidos acenos de cabeça ou piscadelas de olho furtivas.
Quando chegar a sua vez logo ripostam se for caso disso e se a habilidade lhes bastar. São regras, são preceitos.
O cante depois começa a buscar-se a si próprio, engendra um fundamento, tem de encontrar um rumo. E a poesia fervilha, repentista, cortante, às vezes marota. De tudo se trata, ali tudo se diz, rimando, com uma musicalidade e uma entoação que nos transportam longe.
Os cantes são desafios à imaginação, à inspiração e à resistência. Duram horas a fio, sempre sem quebras nem pausas, penetram pelas madrugadas como se o tempo a cantar não contasse.
O tocador nada lhes diz, ouve-os, olha-os, de quando em vez deixa escapar um sorriso. Os outros levantam-se nos intervalos da sua vez quando precisam de despejar o bebido, mas o mestre aperta-se, sustem-se, para não quebrar a magia que a viola e o rodopiar das razões geram em volta da mesa.
Discutem mil assuntos, acertam contas antigas, mas filosofam invariavelmente acerca da valia da honra, do dinheiro, do ferro, do ouro, do campo e da serra.
Que saber o seu, que arte a deles.
Do fundo de tal tempo, guardam a memória de cantares antigos, de génios andantes que de feira em feira ganhavam sustento e acrescentavam a fama.
Derivado do despique este cante arreigou-se nas fraldas da serra*, ali se forjou e ali perdura, alimentado pela seiva de gentes ricas em valores tradicionais e senhores plenos da sua identidade.
Readquiriu, recentemente, grande fôlego esta expressão vocal e poética tendo os seus intérpretes voltado a sentir brio na sua arte. O baldão furtou-se a uma morte anunciada e ganhou alma, alento, adeptos, ouvintes, apreciadores. Tem, presentemente, tudo o que é necessário para vencer o esquecimento e continuar a cantar-se no sentido inverso ao dos ponteiros que marcam o ritmo dos dias.


José Francisco Colaço Guerreiro



FONTE: http://cantoalentejano.com/textos%20cante/cante_baldao.htm#INFO




VELHAS- ILha Terceira:

http://www.ilhaterceira.net/asvelhas/asvelhas.html

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