Sunday, April 26, 2009

Ora, por que é que existe comparação? Por que vos comparais com outrem? Essa comparação vos foi ensinada desde a infância. Em toda escola (e todo o lado), A é comparado com B, e A se destrói a si próprio, a fim de igualar-se (superar) a B. Quando não se faz comparação alguma, quando não há ideal, nem oposto, nem fator de dualidade, quando não mais lutais para serdes diferente do que sois - que aconteceu à vossa mente? Vossa mente deixa de criar o oposto e se torna altamente inteligente e sensível, capaz de extraordinária percepção, porquanto todo esforço é dissipação de paixão - a paixão que é energia vital - e nada se pode fazer sem paixão.Se não vos comparais com outra pessoa, sois o que sois. Pela comparação esperais evolver, tornar-vos mais inteligentes, mais belos. Mas, consegui-lo-eis? O facto é o que sois, e quando o comparais, estais fragmentando o fato - o que é desperdício (só há meia verdade nisto, a do oriente…) de energia. O verdes o que na realidade sois, sem comparação, vos dá uma tremenda energia para olhar. Quando vos podeis olhar sem comparação, já transcendestes a comparação, e isso não significa que a mente se estagna no contentamento. Vemos, pois, em essência, como a mente desperdiça a energia que é tão necessária para se compreender (e viver) a totalidade da vida.Não desejo saber com quem estou em conflito; não desejo conhecer os conflitos periféricos de minha existência; o que desejo saber é por que razão existe o conflito. Ao fazer a mim mesmo essa pergunta, percebo uma questão fundamental que nada tem em comum com os conflitos periféricos e suas soluções. Estou interessado no problema central e vejo - talvez vós também o vejais - que a própria natureza do desejo, se não for devidamente compreendida, levará inevitavelmente ao conflito.O desejo está sempre em contradição. Desejo coisas contraditórias. Não estou dizendo que devo destruir, reprimir, controlar ou sublimar o desejo: estou vendo, simplesmente, que o desejo em si é contraditório. Não é o objecto do desejo, mas a sua verdadeira natureza que é contraditória. Tenho de compreender a natureza do desejo, antes de poder compreender o conflito. Em nós mesmos, vemo-nos num estado de contradição, e este estado de contradição é criado pelo desejo - sendo o desejo a busca do prazer e o evitar a dor que já conhecemos. Assim, vemos o desejo como a raiz de toda contradição - desejando uma coisa e ao mesmo tempo não a desejando: uma a©tividade dual. Quando fazemos uma coisa agradável não há esforço algum, há? Mas o (abuso do) prazer traz a dor e vem em seguida a luta para evitar a dor: mais uma maneira de dissipar energia. Por que é que existe dualidade? Há, decerto, dualidade na natureza - homem e mulher, luz e sombra, noite e dia; mas, interiormente, psicologicamente, por que temos a dualidade? (Realmente tudo indica que esta dualidade não deve existir, em lado nenhum) Por favor, pensai nisso, de maneira completa, juntos comigo; tendes de exercer vossa mente para descobrirdes as coisas; minhas palavras são simplesmente um espelho em que vos estais mirando. Por que temos essa dualidade psicológica? É por que fomos educados para comparar sempre "o que é" com o que "deveria ser?" Fomos condicionados para discriminar o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que é mau, o que é moral e o que é imoral. Terá surgido esta dualidade porque acreditamos que se pensarmos no oposto da violência, no oposto da inveja, do ciúme, da mediocridade, isso nos ajudará a libertar-nos dessas coisas? Servimo-nos do oposto como de uma alavanca para nos livrarmos de "o que é"? Ou trata-se de uma fuga à realidade?Será que vos servis do oposto como meio de evitar "o que é", por não saberdes o que fazer com ele? Ou fostes ensinado, por milhares de anos de propaganda, que deveis ter um ideal - o oposto de "o que é" - para poderdes enfrentar o presente? Quando tendes um ideal, credes que ele vos ajudará a libertar-vos de "o que é", o que, entretanto, nunca acontece.* Podeis pregar a não-violência até o fim de vossa vida, e em todo esse tempo estar semeando os germes da violência.Tendes um conceito do que deveríeis ser e de como deveis agir, e o facto é que estais sempre atuando de maneira completamente diferente. Vê-se, pois, que os princípios levam inevitavelmente à hipocrisia e a uma vida desonesta. É o ideal que cria o oposto de "o que é"; assim, se souberdes ficar com "o que é", o oposto se tornará desnecessário.O procurardes tornar-vos igual a outrem ou igual ao vosso ideal é uma das principais causas de contradição, de confusão e de conflito. A mente que está confusa, não importa o que faça, em qualquer nível que deseja, permanecerá confusa. Vejo isso muito claramente; vejo-o com tanta clareza como vejo um perigo físico imediato. Que acontece, pois? Deixo de agir em termos de confusão. Por conseguinte, a inação e ação completa.Oitava ParteA Libertação - A Revolta - A Solidão - A Inocência - Viver com Nós Mesmos como SomosNunca as agonias da repressão, nem a brutalidade da disciplina de ajustamento a um padrão conduziram à verdade. Para encontrar-se com a verdade, a mente deve estar completamente livre e sem a mínima deformação.Mas, primeiramente, perguntemo-nos se desejamos realmente ser livres. Quando falamos de liberdade, estamo-nos referindo à liberdade completa ou à libertação de uma certa coisa inconveniente, desagradável ou indesejável? Gostaríamos de ficar livres de lembranças dolorosas e desagradáveis e de nossas experiências infelizes, conservando, porém, nossas aprazíveis e satisfatórias ideologias, fórmulas e relações. Mas, conservar uma coisa sem a outra é impossível, porque, como já vimos, o prazer é inseparável da dor (meia verdade, falta de confiança no próprio ensino: o prazer é muitas vezes sem dor!)Cabe, pois, a cada um de nós decidir se desejamos ou não ser completamente livres. Se dizemos que o desejamos, temos então de compreender (totalmente) a natureza e a estrutura da liberdade.É liberdade estar-se livre de alguma coisa - livre de uma dor, de uma espécie de ansiedade? Ou a liberdade, em si, é coisa inteiramente diferente? Podeis estar livre do ciúme, por exemplo, mas não é essa liberdade uma reação e, por conseguinte, liberdade nenhuma? Podeis libertar-vos muito facilmente de um dogma, analisando-o, rejeitando-o, mas o motivo dessa libertação tem sua reação própria, porquanto o desejo de nos livrarmos de um dogma pode dever-se a ter ele caído de moda, já não sendo conveniente. Ou podeis ficar livre do nacionalismo por crerdes no internacionalismo, ou porque sentis que, economicamente, já não é necessário estar-se apegado a esse estúpido dogma nacionalista, com sua bandeira e demais futilidades. Podeis facilmente rejeitá-lo. Ou podeis reagir a um certo líder espiritual ou político que vos prometeu a libertação como resultado de disciplina e de revolta. Mas, terá uma racionalização, uma conclusão dessa espécie, alguma coisa em comum com a liberdade?Se dizeis que estais livre de uma certa coisa, trata-se de uma reação, que depois se tornará outra reação que produzirá uma outra maneira de ajustamento, uma outra forma de domínio. Dessa maneira, podeis ter uma cadeia de reações e aceitar cada reação como uma libertação. Mas isso não é libertação, porém, apenas, a continuidade modificada de um passado a que a mente está apegada.A juventude de hoje, como a juventude de sempre, está em revolta contra a sociedade, e isso, em si, é uma coisa boa, mas revolta não é libertação, porquanto o revoltar-se constitui uma reação, reação que estabelece o seu peculiar padrão, no qual ficais enredado. Pensais que se trata de uma coisa nova. Mas não é; é o velho, posto num diferente molde. Qualquer espécie de revolta social ou política reverterá inevitavelmente à boa e velha mentalidade burguesa.A liberdade só existe quando vedes e agis, e nunca mediante a revolta. Ver é agir, e essa ação é tão importante como a acção que se modifica ao verdes um perigo. Não há então atividade mental, não há discussão nem hesitação; o próprio perigo compele ao ato e, por conseguinte, ver é agir e ser livre.A liberdade é um estado mental; não é estar livre de alguma coisa, porém um estado de liberdade - liberdade para duvidar e questionar todas as coisas e, portanto, uma liberdade tão intensa, ativa e vigorosa, que expulsa toda espécie de dependência, de escravidão, de ajustamento e aceitação. Essa liberdade implica o estar completamente só. Mas, pode a mente que foi criada numa dada cultura e que tanto depende do ambiente e das próprias tendências descobrir aquela liberdade que é solidão total e na qual não há líderes, nem tradição, e nenhuma autoridade?A solidão é um estado mental interno, independente de qualquer estímulo ou conhecimento, e não o resultado de alguma experiência ou conclusão. A maioria de nós nunca está só, interiormente. Há diferença entre o isolar-se, o segregar-se, e o estar só, a solidão. Todos sabemos o que significa estar isolado - o levantar uma barreira ao redor de nós para que nunca sejamos molestados, nunca sejamos vulneráveis; ou o cultivar o desapego, que é uma outra espécie de agonia; ou o viver na fantástica torre de marfim de uma ideologia. A solidão é completamente diferente disso.Nunca estais sós porque estais cheios de todas as memórias, todas as murmurações de ontem; vossa mente nunca está livre desses trastes imprestáveis que acumulou. Para ficardes só, tendes de morrer para o passado. Quando estais só, totalmente só, sem pertencer a qualquer família, a nenhuma nação, a qualquer continente em particular, tendes a sensação de ser um estranho. O homem que, dessa maneira, está completamente só, é inocente, e essa inocência é que liberta a mente do sofrimento. ( e gera o prazer sem dor)

No comments: