Tuesday, April 14, 2009

O Tempo - O PRAZER - A Morte
Sou tentado a repetir a história de um grande discípulo que foi a Deus pedir que lhe ensinasse a verdade.Disse o "pobre" Deus: "Meu amigo, hoje está fazendo muito calor; por favor, vai buscar-me um copo d'água". O discípulo sai e vai bater à porta da primeira casa que encontra e uma linda jovem lhe abre a porta. O discípulo dela se enamora, os dois se casam e têm vários filhos. Então, um dia começa a chover, a chover sem parar. Os rios se engrossam, as ruas se inundam, as casas são arrastadas pelas águas. O discípulo se agarra à mulher, põe sobre os ombros os filhos e. ao sentir-se arrastado pela torrente, brada: "Senhor, imploro-vos que me salveis". E o Senhor responde: "Que é do copo d'água que te pedi?"É uma história bastante instrutiva, porquanto, em geral, pensamos em termos de tempo. O homem vive do tempo. A invenção do futuro se tornou seu favorito jogo de fuga.Pensamos que as mudanças em nós mesmos só podem ser efetuadas no tempo, que a ordem só pode ser estabelecida em nós mesmos pouco a pouco, aumentada dia por dia. Mas, o tempo não traz a ordem nem a paz e, portanto, temos de deixar de pensar em termos de gradualidade. Isso significa que não há um amanhã em que viveremos em paz. Temos de alcançar a ordem imediatamente.Quando se apresenta um prazer ou um perigo reais, o tempo desaparece, não é verdade? A ação é imediata. Mas, nós não percebemos o prazer existente em muitas das nossas situações e, por conseguinte, inventamos o tempo como um meio de superá-los. O tempo é um embusteiro, porquanto nada faz para nos ajudar a promover uma melhoria em nós mesmos. O tempo é um movimento contínuo que o homem erradamente dividiu em passado, presente e futuro. E, enquanto fizer essa divisão, o homem viverá sempre em conflito.O aprender depende do tempo? Após tantos milhares de anos, ainda não aprendemos que existe uma maneira de vida melhor do que odiarmos e matarmos uns aos outros. Muito importa compreender o problema do tempo, se desejamos uma solução para a dor que cada um de nós contribuiu para tornar tão monstruosa e sem significação como é.A primeira coisa, pois, que se deve compreender é que só podemos olhar o tempo com aquele vigor e aquela inocência da mente, que já estivemos considerando. Vemo-nos confusos a respeito de nossos numerosos problemas, e perdidos no meio desta confusão. Ora, quando uma pessoa se perde numa floresta, qual a primeira coisa que faz? Pára e olha em torno de si. Mas nós, quanto mais nos vemos confusos e perdidos na vida, tanto mais corremos em todos os sentidos, buscando, indagando, rogando. A primeira coisa que deveis fazer, se me permitis sugeri-lo, é fazer alto, interiormente. E, quando parais, interiormente, psicologicamente, vossa mente se torna muito tranqüila e clara. Podeis então considerar verdadeiramente a questão do tempo.Os problemas e o prazer com dor só existem no tempo, isto é, quando nos encontramos com um facto de maneira incompletaou quando fazemos de não o sentimos. Esse encontro incompleto ou desencontro com o fato cria o problema. Quando enfrentamos um desafio parcial, fragmentariamente, ou dele tentamos fugir - isto é, quando o enfrentamos com atenção incompleta - criamos um problema. E o problema continua existente enquanto continuarmos a dar-lhe incompleta atenção, enquanto esperarmos resolvê-lo um dia destes.Sabeis o que é o tempo? - Não o tempo medido pelo relógio, o tempo cronológico, porém o tempo psicológico? É o intervalo entre a ideia e a ação. Uma ideia visa, naturalmente, à autoproteção, ao bem estar, ao gozo, à segurança. A ação é sempre imediata; não é do passado nem do futuro; o agir deve estar sempre no presente; mas a ação é tão perigosa, tão incerta, que preferimos ajustar-nos a uma idéia que nos promete uma certa segurança.Olhai isso em vós mesmo. Tendes uma idéia do que é certo ou errado, ou um conceito ideológico relativo a vós mesmos e à sociedade, e de acordo com essa ideia ides agir. A ação, por conseguinte, ajusta-se àquela idéia, aproxima-se da idéia, e por essa razão existe sempre conflito. Há a idéia, o intervalo, e a ação. Nesse intervalo encontra-se todo o campo do tempo. Esse intervalo é, essencialmente, pensamento. Quando pensas que amanhã serás feliz, tendes então uma imagem de vós mesmos a alcançar um certo resultado no tempo. O pensamento, pela observação, pelo desejo, e pela continuidade desse desejo, sustentado por mais pensamento, diz: "Amanhã serei feliz; amanhã terei sucesso; amanhã o mundo será um belo lugar." Dessa maneira, o pensamento cria esse intervalo que é o tempo.Agora, perguntamos: Pode-se deter o tempo? Podemos viver ou parar de viver tão completamente que não haja um amanhã para o pensamento pensar nele? Pois a divisão do tempo é sofrimento. Isto é, ontem ou há um milhar de "ontens", amastes ou tínheis um companheiro que se foi, e essa memória perdura e ficais pensando naquele prazer ou naquela dor; estais a olhar para trás e a desejar, a esperar, a lamentar, e, assim, o pensamento, ruminando continuamente aquilo, gera essa coisa que se chama sofrimento e dá continuidade ao tempo.Enquanto existir esse intervalo de tempo, gerado pelo pensamento, tem de haver sofrimento, tem de haver a continuidade do medo. Assim, perguntamos a nós mesmos: Pode esse intervalo terminar? Se disserdes: "Terminará ele algum dia?", isso então já é uma ideia, uma coisa que desejais conseguir e, por conseguinte, tendes um intervalo e de novo vos vedes na armadilha.Agora, considere-se a questão da morte, um problema imenso para a maioria das pessoas. Conheceis a morte, pois a vedes todos os dias, andando a vosso lado. Será possível encararmos a morte de maneira tão completa, que não façamos dela um problema? Para a encararmos dessa maneira, todas as crenças, todas as esperanças, todos os temores a ela relativos devem acabar, senão estareis encarando essa coisa extraordinária com uma conclusão, uma imagem, com uma ansiedade premeditada e, por conseguinte, a estareis encarando com o tempo. O tempo é o intervalo entre o observador e a coisa observada. Isto é, o observador - vós - tem medo de enfrentar essa coisa chamada "morte". Não sabeis o que ela significa; tendes esperanças e teorias de toda espécie a respeito dela; credes na reencarnação ou na ressurreição, ou numa certa coisa chamada alma, "atman", uma entidade espiritual, eterna, a que chamais por diferentes nomes. Ora, já descobriste por ti mesmo se existe alguma alma? Ou trata-se de uma ideia que vos foi dada pela tradição? Existe alguma coisa de permanente, de contínuo, além do pensamento? Se o pensamento pode pensar nela, ela se acha no campo do pensamento e, por conseguinte, não pode ser permanente, porque, no campo do pensamento, não existe nada permanente. É de enorme importância descobrir que nada é permanente, porque só então a mente estará livre, só então se poderá olhar; e nisso há uma imensa alegria, o maior dos prazeres.Não podeis ter medo do desconhecido, pois não sabeis o que ele é e, portanto, não há nada que temer. A morte é uma palavra, e é a palavra, a imagem que cria o medo. Assim, podeis olhar a morte sem a imagem da morte? Enquanto existir a imagem, que dá origem ao pensamento, o pensamento haverá sempre de criar medo. Tratais então de racionalizar o vosso medo da morte e de levantar uma resistência contra o inevitável, ou inventais inumeráveis crenças para vos protegerdes do medo da morte. Há, portanto, um vão entre vós e a coisa de que tendes medo. Nesse intervalo de espaço-tempo tem de haver conflito, ou seja medo, ansiedade, autocompaixão. O pensamento, que gera o medo da morte, diz: "Adiemo-la, evitemo-la, mantenhamo-la o mais distante possível, não pensemos nela" - mas vós estais pensando nela. Ao dizerdes "Não quero pensar nela", já pensastes numa maneira de evitá-la. Tendes medo da morte, porque a tendes adiado.Separamos o viver do morrer, e o intervalo entre o viver e o morrer é - medo. Esse intervalo, esse tempo, é criado pelo medo. Viver é nossa tortura diária - insultos, sofrimentos, confusão, e, ocasionalmente, uma janela aberta nos mostra mares encantados. É a isso que chamamos "viver", e temos medo de morrer, que é o fim dessa aflição. Preferimos aferrar-nos ao conhecido a enfrentar o desconhecido - o conhecido, que é nossa casa, nossos móveis, nossa família, nosso caráter, nosso trabalho, nossos conhecimentos, nossa fama, nossa solidão, nossos deuses - essa coisa insignificante que incessantemente gravita em torno de si própria, com seu limitado padrão de amargurada existência.Pensamos que o viver está sempre no presente e que o morrer é algo que nos aguarda num tempo distante. Mas nunca indagamos se essa batalha da vida diária é de fato viver. Queremos saber a verdade a respeito da reencarnação, desejamos provas da sobrevivência da alma, prestamos ouvidos às asserções dos clarividentes e às conclusões das pesquisas psíquicas, porém nunca perguntamos, nunca perguntamos como viver - viver com deleite, com encantamento, com a beleza, todos os dias. Aceitamos a vida tal qual é, com toda a sua agonia e desespero, com ela nos acostumamos, e pensamos na morte como uma coisa que devemos diligentemente evitar. Mas, a morte se assemelha extraordinariamente à vida, quando sabemos viver. Não podeis viver sem morrer. Isso não é um paradoxo intelectual. Para se viver completa e totalmente, de modo que cada dia, cada momento sejam uma nova beleza, um novo gozo temos de de morrer para todas as coisas de ontem, de há um minuto pois, de contrário, viveremos mecanicamente, e uma mente mecânica jamais saberá o que é o amor ou o que é a liberdade ou o gozo.Em geral tememos a morte, porque não sabemos o que significa viver. Não sabemos viver, e por isso não sabemos morrer. Enquanto tivermos medo da vida, teremos medo da morte. O homem que não teme a vida não teme a insegurança, porque compreende que, interiormente, psicologicamente, não existe segurança nenhuma. Quando não há segurança, há um movimento infinito, e então a vida e a morte são uma só coisa. O homem que vive sem conflito, que vive com a beleza e o amor, não teme a morte, porque amar é morrer.Se morreis para tudo o que conheceis, inclusive vossa família, vossa memória, vossas dores, vossos amores, vossos prazeres até, tudo o que sentistes, a morte é então uma purificação, um processo de rejuvenescimento, um prazer; traz então a morte a inocência, e só os inocentes são apaixonados, e não aqueles que crêem e que desejam descobrir o que acontece após a morte.Para descobrirdes o que realmente acontece quando se morre, tendes de morrer. Isto não é pilhéria (piada). Tendes de morrer, não real, mas aparentemente, interiormente, morrer para as coisas que vos são caras e para as coisas que vos amarguram. Se morrestes para cada um dos vossos prazeres, tanto os insignificantes como os mais importantes, sem nenhuma compulsão ou discussão, então sabereis o que significa morrer. Morrer é ter uma mente completamente vazia de si mesma, vazia de seus diários anseios, prazeres e agonias. A morte é uma renovação, uma mutação, em que o pensamento não funciona, porque o pensamento é coisa velha. Quando há a morte, há uma coisa totalmente nova. Estar livre do conhecimento é morrer; e, então, estais VIVENDO, VIVENDO!....

Krishniamurti e eu

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