Sunday, April 26, 2009

e, assim, o pensamento, ruminando continuamente aquilo, gera essa coisa que se chama sofrimento (mas também pode gerar o prazer, que se quer mais do que a dor!!) e dá continuidade ao tempo (e ao espaço, digo).
Enquanto existir esse intervalo de tempo, gerado pelo pensamento, tem de haver sofrimento (não forçosamente, só se a acção deve ser imediata e não o é), tem de haver a continuidade do medo. Assim, perguntamos a nós mesmos: Pode esse intervalo terminar? Se disserdes: "Terminará ele algum dia?", isso então já é uma ideia, uma coisa que desejais conseguir e, por conseguinte, tendes um intervalo (Ó Jiddu!) e de novo vos vedes na armadilha.
Agora, considere-se a questão da morte, um problema imenso para a maioria das pessoas. Conheceis a morte, pois a vedes todos os dias, andando a vosso lado. Será possível encararmos a morte de maneira tão completa, que não façamos dela um problema? Para a encararmos dessa maneira, todas as crenças, todas as esperanças, todos os temores a ela relativos devem acabar, senão estareis encarando essa coisa extraordinária com uma conclusão, uma imagem, com uma ansiedade premeditada e, por conseguinte, a estareis encarando com o tempo. O tempo é o intervalo entre o observador e a coisa observada. Isto é, o observador - vós - tem medo de enfrentar essa coisa chamada "morte". Não sabeis o que ela significa; tendes esperanças e teorias de toda espécie a respeito dela; credes na reencarnação ou na ressurreição, ou numa certa coisa chamada alma, "atman", uma entidade espiritual, eterna, a que chamais por diferentes nomes. Ora, já descobristes por vós mesmo se existe alguma alma? Ou trata-se de uma idéia que vos foi dada pela tradição? Existe alguma coisa de permanente, de contínuo, além do pensamento? Se o pensamento pode pensar nela, ela se acha no campo do pensamento e, por conseguinte, não pode ser permanente, porque, no campo do pensamento, não existe nada permanente. É de enorme importância descobrir que nada é permanente, porque só então a mente estará livre, só então se poderá olhar; e nisso há uma imensa alegria.
Não podeis ter medo do desconhecido, pois não sabeis o que ele é e, portanto, não há nada que temer. A morte é uma palavra, e é a palavra, a imagem (que pode não ser palavra) que cria o medo. Assim, podeis olhar a morte (para tudo/todos) sem a imagem da morte? Enquanto existir a imagem, que dá origem ao pensamento (doloroso), o pensamento haverá sempre de criar medo. Tratais então de racionalizar o vosso medo da morte e de levantar uma resistência contra o inevitável, ou inventais inumeráveis crenças para vos protegerdes do medo da morte. Há, portanto, um vão entre vós e a coisa de que tendes medo. Nesse intervalo de espaço-tempo tem de haver conflito, ou seja medo, ansiedade, autocompaixão. O pensamento, que gera o medo da morte, diz: "Adiemo-la, evitemo-la, mantenhamo-la o mais distante possível, não pensemos nela" - mas vós estais pensando nela. Ao dizerdes "Não quero pensar nela", já pensastes numa maneira de evitá-la. Tendes medo da morte, porque a tendes adiado.
Separamos o viver do morrer, e o intervalo entre o viver e o morrer é - medo. Esse intervalo, esse tempo, é criado pelo medo. Viver é nossa tortura diária - insultos, sofrimentos, confusão, e, ocasionalmente, uma janela aberta nos mostra mares encantados. É a isso que chamamos "viver", e temos medo de morrer, que é o fim dessa aflição. Preferimos aferrar-nos ao conhecido a enfrentar o desconhecido - o conhecido, que é nossa casa, nossos móveis, nossa família, nosso caráter, nosso trabalho, nossos conhecimentos, nossa fama, nossa solidão, nossos deuses - essa coisa insignificante que incessantemente gravita em torno de si própria, com seu limitado padrão de amargurada existência.
Pensamos que o viver está sempre no presente e que o morrer é algo que nos aguarda num tempo distante. Mas nunca indagamos se essa batalha da vida diária é de fato viver. Queremos saber a verdade a respeito da reencarnação, desejamos provas da sobrevivência da alma, prestamos ouvidos às asserções dos clarividentes e às conclusões das pesquisas psíquicas, porém nunca perguntamos, nunca perguntamos como viver - viver com deleite, com encantamento, com a beleza, todos os dias. Aceitamos a vida tal qual é, com toda a sua agonia e desespero, com ela nos acostumamos, e pensamos na morte como uma coisa que devemos diligentemente evitar. Mas, a morte se assemelha extraordinariamente à vida, quando sabemos viver. Não podeis viver sem morrer. Isso não é um paradoxo intelectual. Para se viver completamente, totalmente, de modo que cada dia seja uma nova beleza, tem-se de morrer para todas as coisas de ontem, pois, de contrário, viveremos mecanicamente, e uma mente mecânica jamais saberá o que é o amor ou o que é a liberdade.

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