Monday, August 07, 2006

“… de um rei e que sentira muito ciúme das outras mulheres. O ciúme foi a causa de todos aqueles sofrimentos extremos de sua presente vida.

Meditando sobre esse ponto, geramos uma forte determinação de evi­tar até a mais leve não-virtude e alimentar até os menores bons pensamen­tos e boas ações. Quando essa determinação surgir em nossa mente, faremos a meditação posicionada, para torná-la constante e estável. Se pudermos guardar essa determinação o tempo todo, sem nunca esquecê-la, nossas ações de corpo, fala e mente vão ficar tão puras que não haverá nenhuma base para o sofrimento e desenvolveremos realizações rapidamente.

SE UMA AÇÃO NÃO FOR PRATICADA, SEU RESULTADO NÃO PODERÁ SER EXPERlENCIADO

Numa guerra, alguns soldados são mortos e outros sobrevivem. Os sobreviventes não se salvaram por terem sido mais corajosos que os outros, mas porque não haviam criado a causa para morrer naquele momento.

As escrituras mencionam o exemplo da rainha Ngo Sangma, que se­guia um mestre budista e atingira a realização de um ser Nunca Retomado. A rainha congregava quinhentas discípulas, todas com poderes miraculo­sos. Um dia, o local onde se reuniam pegou fogo. A rainha e suas discípu­las imediatamente voaram para escapar das chamas. Contudo, a rainha compreendeu que elas haviam criado o carma coletivo de morrer quei­madas naquele dia. Por se tratar de um carma que já estava amadurecendo, esse acontecimento era inevitável. Então, a rainha disse às outras mulhe­res: "A única maneira de purificarmos nossas ações não-virtuosas neste momento é experienciando seu efeito". Assim, todas voaram de volta pa­ra o fogo, como mariposas atirando-se na chama de uma vela.

Morava no local uma humilde empregada chamada Gurchog. Por não ter poderes miraculosos, fugiu do incêndio pelos esgotos. Gurchog tam­pouco tinha realizações espirituais ou tempo para praticar o Dharma, ma,. visto que era a única que não havia criado a causa para morrer naquele incêndio, só ela escapou.

Os jornais estão cheios de exemplos semelhantes. Quando um terro­rista põe uma bomba num imóvel, algumas pessoas morrem, ao passo que outras escapam, embora pudessem até estar no centro da explosão. Num acidente de avião ou no caso de uma erupção vulcânica, algumas pessoas morrem e outras escapam como por milagre. Em muitos aciden­tes, os próprios sobreviventes, atónitos, não entendem como se salvaram e espantam-se por outras pessoas, tão perto deles na hora do desastre terem morrido.

Meditando sobre esse ponto, desenvolvemos uma forte determinação: ”vou praticar purificação e envolver-me unicamente em ações virtuosas".

UMA AÇÃO NUNCA É DESPERDIÇADA

Buda disse:

As ações dos seres vivos nunca são desperdiçadas, mesmo que cente­nas de éons transcorram antes de seus efeitos serem experienciados.

As ações não podem simplesmente desaparecer e não podemos transferi-las a outrem, eximindo-nos assim de nossa responsabilidade. Embora as intenções mentais momentâneas que iniciaram nossas ações passadas tenham cessado, as potencialidades por elas criadas em nossa mente não vão cessar, até que tenham amadurecido. O único meio de destruir uma potencialidade negativa antes que amadureça como sofrimento é praticar purificação com os quatro poderes oponentes. No entanto, é muito mais fácil destruirmos nossas potencialidades positivas, pois, se não dedicarmos nossas ações virtuosas, elas poderão ser totalmente ani­quiladas num único instante de raiva. Nossa mente é como um tesouro sem dono e nossas ações virtuosas, como jóias. Se não defendermos nos­sas ações virtuosas por meio de dedicatória, sempre que ficarmos com raiva deixaremos um ladrão invadir nosso tesouro.

Se transcorrerem mil anos entre o momento em que cometemos uma acção e o momento que experienciamos seu efeito, durante todo esse tempo suas potencialidades ficarão guardadas em nossa mente. Se tivermos cometi­do a ação de matar e todas as causas de experienciar seu efeito demorarem cem vidas para se reunir, as potencialidades dessa ação de matar ficarão em nossa mente durante todo esse tempo. No final da 99ª vida, quando estivermos prestes a morrer, poderemos, por exemplo, gerar um apego forte por fogo, e isso ativará nossa potencialidade negativa, propiciando assim as condições necessárias para experienciarmos o efeito amadurecido daquela acção não-virtuosa. O apego que sentimos na hora da morte funciona como água; as potencialidades negativas que foram deixadas na mente pela acção de matar são como uma semente plantada na terra. Quando a delusão­-água do apego nutre a potencialidade-semente, esta amadurece na forma de um renascimento extremamente penoso num dos infernos quentes.

Podemos considerar o exemplo de Shri Datta, que em sua vida cometeu acções extremamente negativas, como oferecer comida envenenada a Buda. Quando ficou velho, interessou-se pelo Dharma e pediu a Buda que lhe concedesse ordenação. Costuma-se dizer que, para se ordenar, uma pessoa tem que possuir, pelo menos, uma minúscula potencialidade virtuosa que seja causa de libertação. Discípulos clarividentes de Buda examinaram Shri Datta mas não encontraram sequer uma dessas potencialidades virtuo­sas, e declararam: "Shri Datta não pode ser ordenado, pois não possui nenhuma potencialidade virtuosa que seja causa de libertação". No en­tanto, tais discípulos não podiam ver as potencialidades sutis, percebidas unicamente por seres iluminados. Ao examinar o caso, Buda divisou uma minúscula potencialidade virtuosa dentro da mente escura de Shri Datta. Buda disse aos discípulos: "Há muitos éons, Shri Datta foi uma mosca e, sem saber, voou ao redor de uma estupa. Essa ação é virtuosa por nature­za e, sendo assim, deixou um traço de bondade na mente de Shri Datta; logo, ele é capaz de atingir a libertação". Buda concedeu-lhe a ordenação e, como resultado, o potencial positivo de Shri Datta aumentou, fazendo com que atingisse, de fato, a libertação naquela vida.

Como afirma Chandrakirti em Guia ao caminho do meio, disciplina moral é a única causa de renascimentos felizes e de libertação para Bodhi­sattvas, Realizadores Solitários, Ouvintes e seres comuns. Praticar discipli­na moral significa abandonar as ações negativas por entender seus perigos. Embora não possamos abandonar algumas delas de imediato, devido a nossos fortes hábitos mentais negativos, outras podem ser radicalmente interrompidas desde já. Devemos treinar a mente com suavidade e firme­za, lidando primeiro com as ações não-virtuosas que podemos facilmente abandonar e, depois, tentando reunir a determinação, a coragem e a ha­bilidade que precisamos para eliminar até nossos mais arraigados maus hábitos. Enquanto mantivermos o desejo sincero de superar nossas ações não-virtuosas e potencialidades, elas irão se debilitar mais e mais. Assim nos parecerá cada vez mais fácil praticar ações virtuosas. Não há razão alguma para inquietações, pois uma determinação contínua e sincera é o bastante para solapar a força de todas as nossas tendências não-virtuosas..

Devemos ser habilidosos e praticar segundo nossas capacidades. Al­gumas pessoas são capazes de abandonar as ações negativas assim que compreendem os ensinamentos sobre o carma; outras, apesar de terem: um bom entendimento, continuam a se envolver compulsivamente em negatividades durante bastante tempo. Se nos forçarmos a superar todos os nossos maus hábitos de uma só vez, ficaremos ansiosos e, a seguir, deprimidos. Resoluções ambiciosas demais resultam em fracasso e desâ­nimo. Ficar desanimado é algo muito perigoso, pois nos leva a abandonar o Dharma. Visto que é impossível ter uma prática espiritual bem-sucedida com a mente tensa e infeliz, devemos sempre praticar com moderação, conservando a mente alegre e descontraída. Então, a meditação vai fun­cionar, nossa mente tornar-se-á mais clara e nossa memória mais forte.

Sempre que tomarmos consciência de ações não-virtuosas e estados ttais negativos, em vez de ficarmos deprimidos e com raiva, sentin­do-nos indefesos e decepcionados, devemos reagir com sabedoria e cria­tividade, praticando confissão e purificação.

OS TIPOS ESPECÍFICOS DE AÇÕES E SEUS EFEITOS

Este tópico divide-se em quatro partes:

1. As ações não-virtuosas e seus efeitos;

2. As ações virtuosas e seus efeitos;

3. Os fatores que determinam o poder de uma ação;

4. As ações arremessadoras e as ações completadoras.

AS AÇÕES NÃO-VIRTUOSAS E SEUS EFEITOS

Este tema divide-se em três partes:

1. As dez ações não-virtuosas e os fatores que determinam

sua conclusão;

2. Fatores que agravam as ações não-virtuosas;

3. Os efeitos das ações não-virtuosas.

AS DEZ AÇÕES NÃO-VIRTUOSAS E OS FATORES QUE DETERMINAM SUA CONCLUSÃO

Ações não-virtuosas são caminhos que levam aos reinos inferiores. Pri­meiro, precisamos identificá-las e entender como elas levam à dor e à confusão. Com essa compreensão, naturalmente vamos nos esforçar para evi­tá-las. As ações não-virtuosas são extraordinariamente numerosas, mas a maioria pode ser incluída em dez:

1. Matar;

2. Roubar;

3. Má conduta sexual;

4. Mentir;

5. Discurso divisor;

6. Discurso ofensivo;

7. Tagarelice;

8. Cobiça;

9. Maldade;

10. Esposar visões erróneas.

As três primeiras são ações corporais, as quatro seguintes são, sobre­tudo, ações verbais, embora também englobem algumas ações físicas, e as três últimas são ações mentais.

Só experienciamos o resultado pleno de uma ação quando ela é concluída. Para que isso ocorra é preciso que os seguintes fatores estejam todos presentes: o objecto, a intenção, a preparação e a conclusão.

MATAR

O objeto da ação de matar é qualquer outro ser, desde o menor dos insetos até um Buda. Para que haja uma intenção plena de cometer uma ação negativa, três fatores devem estar presentes: discriminação correta, determinação e delusão. No caso de matar, discriminação correta é a identificação correta do indivíduo que intencionamos matar. Por exem­plo, se quisermos matar João mas matarmos Pedro, pensando que ele era João, não teremos completado nem a ação de matar João nem a de ma­tar Pedro, embora nossa ação seja nociva e vá nos acarretar resultados negativos. O fator determinação corresponde à determinação de matar o indivíduo corretamente identificado. Se matarmos alguém acidentalmen­te, sem o menor desejo de infligir dano, nossa ação não estará concluída.. Ao cometer a ação, também é preciso que a mente esteja sendo influen­ciada por delusão. É possível matar sem que isso ocorra, como no caso de alguém que, movido por compaixão, mata para salvar a vida de ou­trem. Para agir assim, uma pessoa deve ter grande sabedoria e a coragem de tomar sobre si qualquer resultado negativo que a ação possa vir a acarretar. Em geral, a ação de matar é motivada por uma das delusões raízes: raiva, apego desejoso ou ignorância. Um ladrão pode matar por apego, achan­do que a vítima impedirá o roubo. Um soldado pode matar por ódio ao inimigo ou por ignorância, acreditando que numa guerra matar não é uma ação negativa. Há aqueles que alegremente matam peixes, pássaros etc., com a crença equivocada de que não há mal algum nisso. Em algumas re­ligiões, chega-se a ensinar que certos atos de matar são virtuosos, como matar animais para sacrifício.

O terceiro fator, a preparação, refere-se aos preparativos que faze­mos para agir. É possível agir diretamente ou encarregar outra pessoa de fazê-lo. Por exemplo, pode-se envenenar a vítima ou contratar alguém: para matá-la a tiros. A ação de matar será concluída quando a vítima mor­rer antes de nós. Nessa hora, contanto que todos os outros fatores este­jam presentes, teremos criado a causa para experienciar o pleno resultado negativo da ação.

É um equívoco imaginar que as conseqüências de nossas ações não­-virtuosas podem ser evitadas quando empregamos outra pessoa para exe­cutá-la em nosso lugar. Na verdade, se usarmos alguém como agente, o efeito total da ação será duplamente severo, pois os resultados negativos serão experienciados por duas pessoas. Além disso, sofreremos também as consequências de explorar outrem por motivos egoístas, ignorando seu bem-estar futuro.

É comum pensarmos que os poderosos são muito afortunados. Na realidade, a posição deles é bastante perigosa, pois é muito difícil que consigam deixar de cometer ações tremendamente destrutivas. Por exem­plo, se um comandante ordenar o engajamento de seu exército numa batalha e nela morrerem mil inimigos, cada soldado sofrerá o resultado negativo correspondente ao número de pessoas que matou; mas aquele que tomou a decisão, arcará com o resultado negativo das mil mortes. Pessoas no poder podem cometer ações imensamente destrutivas com uma simples assinatura ou apertando um botão. O Protetor Nagarjuna rezava para nunca vir a ser um político em vidas futuras, pois sabia que quem assume qualquer ripo de poder e autoridade mundana tem que se responsabilizar pessoal­mente por todas as ações que manda os outros praticarem.

Quando um grupo decide levar a cabo uma ação e esta é concluída, cada pessoa incorre individualmente no resultado dessa ação. Pode ser que o objeto da ação seja um só, mas haverá tantas ações quanto o número de participantes. Isso se aplica mesmo se o grupo indicar uma única pessoa para agir. Todavia, se mandarmos alguém fazer algo e depois mudarmos de idéia, antes de a ação ter sido concluída, não incorreremos em seu resultado pleno.

ROUBAR

O objeto da ação de roubar é qualquer coisa que alguém considere sua, inclusive outros seres vivos, como uma criança ou um animal. Se pegarmos algo que ninguém reivindica possuir, como um objeto achado no lixo, a ação de roubar não é completa.

O objeto do roubo deve ser corretamente identificado. Se quisermos roubar as posses de um inimigo mas roubarmos as de outra pessoa, pen­sando que eram de nosso inimigo, a ação de roubar de qualquer uma das duas pessoas não se completará. Também é preciso que estejamos sob influência de uma delusão. Normalmente rouba-se por apego desejoso mas pode-se roubar por ódio, visando atingir um inimigo. Alguns rou­bam por ignorância, pensando que não há nada de errado em roubar ou justificando o roubo. Por exemplo, pessoas deixam de pagar emprésti­mos, impostos, multas ou prestações, alegando que os sistemas que exi­gem tais pagamentos são injustos, outros se acham no direito de roubar ­seus patrões, dizendo que são ma lremunerados.

Há várias maneiras de roubar. Pode-se roubar secreta ou abertamen­te. Pode-se recorrer a meios tortuosos, como suborno, chantagem ou manipulação emocional. A ação de roubar se completa quando pensa­mos: "Isto agora é meu". Quando pedimos algo emprestado, podemos nos afeiçoar àquilo e mudar de intenção quanto à sua devolução. Se começarmos a pensar naquele objeto como sendo nosso, desde que as demais condições estejam presentes, completaremos a ação de roubar. Enquanto estivermos hesitando, a ação não se consumará. Por exemplo, se entrarmos num trem sem ter comprado a passagem, ao longo do tra­jeto poderemos ficar em dúvida se vamos ter que comprá-la ou não. Mas quando chegarmos ao nosso destino e, com sucesso, tivermos nos esqui­vado dos cobradores, poderemos concluir que conseguimos uma passa­gem grátis. Quando gerarmos este pensamento triunfante, teremos con­cluído a ação de roubar.

MÁ CONDUTA SEXUAL

Se tivermos feito votos de castidade, o objeto da má conduta sexual será qualquer outra pessoa. Se não tivermos feito tais votos e tivermos um parceiro, o objeto de má conduta sexual será qualquer outro parceiro. Se não tivermos feito votos e não tivermos parceiro, o objeto de má conduta sexual poderá ser: o parceiro de outra pessoa (marido, mulher, namorado ou namorada), os próprios pais, uma criança, alguém que tenha voto de castidade, mulheres grávidas, animais ou qualquer pessoa que não consinta.

Precisamos identificar corretamente o objeto da má conduta sexual Por exemplo, se não tivermos nenhum impedimento e mantivermos re­lação sexual com uma pessoa que acreditamos estar na mesma situação que a nossa, quando de fato ela é casada, nossa ação não se consumará. Também é preciso que estejamos determinados a cometer má conduta sexual e sob influência de uma delusão. Em geral, comete-se má conduta sexual por apego desejoso, mas também pode ser por ódio, como no caso de soldados que estupram as mulheres e as filhas do inimigo. Outras…” (pgs. 188 a 194, de: Caminho Alegre da Boa Fortuna”, de Geshe Gyatso.

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