Sunday, August 06, 2006

Carma

CONVENCER-SE DA LEI DO CARMA, RAIZ DE TODAS AS BOAS QUALIDADES E FELICIDADE

A lei do carma é um exemplo especial da lei de causa e efeito, segundo­ a qual todas as nossas ações de corpo, fala e mente são causas e todas nossas experiências, seus efeitos. A lei do carma explica por que cada indivíduo tem um estado mental único, uma aparência física única e ex­riências únicas. Tais coisas são os efeitos das inúmeras ações que cada um fez no passado. Não conseguimos encontrar duas pessoas que tenham criado exatamente a mesma "história" de ações ao longo de suas vidas
passadas; portanto, não podemos encontrar duas pessoas com estados mentais idênticos, experiências idênticas e aparência física idêntica. Cada pessoa tem um carma individual diferente. Algumas desfrutam de boa saúde, ao passo que outras estão constantemente doentes. Algumas são muito bonitas e outras, muito feias. Algumas têm bom temperamento e contentam-se facilmente, outras são rabugentas e raramente gostam de alguma coisa. Algumas compreendem com facilidade as instruções de Dharma, outras acham as instruções difíceis e obscuras.
A palavra carma refere-se principalmente à ação e, em particular, à intenção mental que inicia qualquer ação. Em geral, refere-se a um dos seguintes componentes: as ações, seus efeitos e as potencialidades que as ações deixam na mente, desde o instante em que são concluídas, até que amadureçam e seus resultados sejam experienciados. Existem três tipos de ações: mentais, corporais e verbais. Uma ação mental é uma linha de pensamento completa e não apenas a intenção que a inicia. As ações corporais e verbais também são iniciadas por intenções e acompanhadas por ações mentais. Quando uma ação se completa, ela cria uma potenciali­dade em nossa mente. A potencialidade amadurece quando encontra con­dições adequadas, assim como uma semente amadurece na primavera, quando recebe a dose certa de calor e umidade. Uma potencialidade será virtuosa ou não-virtuosa, amadurecerá como felicidade ou como sofri­mento na dependência da ação.
Se entendermos a lei do carma, entenderemos como controlar nos­sas experiências futuras: abandonando ações prejudiciais que são causas de dor e cultivando ações virtuosas que são causas de felicidade. Meditar na lei do carma é como mirar um espelho que mostra o que devemos abandonar e o que devemos praticar. A lei do carma revela-nos as causas de nossas experiências atuais e o que nos espera em vidas futuras, se não dominarmos nossas negatividades. Ainda que entendamos a lei do carma intelectualmente, precisamos meditar repetidas vezes sobre ela para desenvolver uma profunda convicção. Quando estivermos persuadidos, na­turalmente temeremos nossa negatividade e tomaremos a firme resolução de praticar disciplina moral. Sem uma convicção autêntica, não geramos a energia suficiente para treinar a mente e, assim, continuamos a cometer, compulsivamente, as ações nocivas causadoras de renascimento nos estados de sofrimento.
Sem praticar disciplina moral, ainda que nos refugiemos com sinceridade, não encontraremos proteção perfeita contra o renascimento nos ­três reinos inferiores, pois estaremos transgredindo nosso compromisso de refúgio. Buscar refúgio sem praticar disciplina moral é agir como um prisioneiro que, valendo-se da influência de terceiros, recupera a liber­dade, mas depois continua a cometer os mesmos crimes, de tal modo que sua captura e retorno à prisão é só uma questão de tempo.
Praticar disciplina moral com forte convicção na lei do carma é a Jóia do Dharma de um pequeno ser e a base para o desenvolvimento de todas as outras Jóias Dharma. É uma proteção completa contra os renascimentos inferiores, além de nos conduzir a todas as demais realizações das etapas do caminho. Sem isso, ainda que nos tornássemos um eminente estudioso budista, nossa posição na vida continuaria sendo muito precária. Coma disse o Guia Espiritual de Atisha, Avadhutipa:

Até que tenhamos eliminado o auto-agarramento, nossa prática prin­cipal deve ser a prática de disciplina moral [...] Muitos foram os eruditos famosos que renasceram no inferno.

Assim como as leis de um país não abrem exceções para os intelectuais, também a lei do carma não exclui ninguém por conta de seu saber. Deva­datta, por exemplo, foi um grande erudito e memorizou mais textos do que um elefante conseguiria carregar no lombo. Do ponto de vista inte­lectual, entendia tudo; no entanto, como nunca teve uma profunda e sin­cera convicção na lei do carma, continuou a cometer obsessivamente ações negativas e, em conseqüência disso, renasceu no sétimo inferno quente.
As escrituras citam o exemplo de um praticante do tantra de Yaman­taka que tinha certos poderes, como a habilidade de usar mantras irados. Por não estar verdadeiramente persuadido da lei do carma e não ter uma realização de compaixão, servia-se disso para matar pessoas e, como re­sultado, renasceu como um fantasma faminto. Depois que seu carma negativo amadureceu dessa forma, nem mesmo o poderoso Yamantaka foi capaz de ajudá-lo.
A lei do carma será explicada em quatro partes:
1. As características gerais do carma;
2. Os tipos específicos de ações e seus efeitos;
3. Os oito atributos especiais de uma vida humana plenamente dotada;
4. Como praticar disciplina moral, após adquirir convicção na lei do carma.

AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CARMA

São quatro as características gerais do carma:
1. Os resultados das ações são definidos;
2. Os resultados das ações aumentam;
3. Se uma ação não for praticada, seu resultado não poderá ser experienciado;
4. Uma ação nunca é desperdiçada.

OS RESULTADOS DAS AÇÕES SÃO DEFINIDOS

Nos sutras Vinaya, Buda diz:

A cada ação praticada, experienciamos um resultado similar.

Quando um jardineiro planta sementes de ervilha, é certo que vão crescer ervilhas e não cevada; quando não planta semente alguma, é certo que nada crescerá. O mesmo acontece conosco. Quando praticamos ações positivas, com certeza experienciaremos resultados felizes; quando comete­mos ações negativas, com certeza experienciaremos resultados infelizes; e quando praticamos ações neutras é certo que experienciaremos resul­tados neutros.
Em A Roda de armas afiadas, Dharmarakshita diz que, se hoje sofre­mos distúrbios mentais, é porque perturbamos a mente de outros no passado. Também diz que a causa principal de qualquer doença física dolorosa é uma acção prejudicial similar feita no passado, como ferir outros dando-lhes uma surra, um tiro, comida envenenada ou remédios errados. Quando essa causa principal estiver ausente, é impossível que haja sofrimento por doença física. Os Destruidores de Inimigos, por exem­plo, podem ingerir alimento envenenado e não sentir nenhuma dor, pois já eliminaram as ações prejudicais e as potencialidades que são as causas principais de tal sofrimento.
Da mesma maneira, as causas principais para os sofrimentos de fome e sede são ações como roubar comida ou bebida dos outros por egoísmo. Dharmarakshita disse que sofrer opressão é o resultado de desprezar, mal­tratar ou explorar pessoas que estão em posição inferior; também pode ser o resultado de desdenhar os outros, em vez de amá-los, ou desprezá-los, em vez de tratá-los com bondade amorosa. As causas principais para os sofri­mentos da pobreza são ações maldosas contra os outros, como impedi-los deliberadamente de satisfazer suas necessidades ou destruir seus bens. As causas principais do sofrimento de ser separado da família e dos amigos são ações como seduzir os parceiros alheios ou, propositadamente, indispor alguém contra seus amigos e empregados. As causas principais do sofri­mento de não ter um bom relacionamento com os Guias Espirituais são ações como não seguir seus conselhos, perturbar intencionalmente sua paz mental ou portar-se de modo desonesto e hipócrita com eles.
Costumamos achar que tais experiências negativas surgem só em fun­ção das condições desta vida. Visto que não somos capazes de explicar a maior parte delas nesses termos, frequentemente achamos que nossas experiências são imerecidas e inexplicáveis e que não há justiça no mun­do. Na realidade, a maioria das experiências desta vida são causadas por ações que cometemos em vidas passadas.
As escrituras relatam a história de um homem chamado Nyempa Sangden. Era tão feio que, só de vê-lo, as pessoas se sentiam mal; mas sua voz era tão melodiosa que, ao escutá-lo, todos desejavam ficar ao seu lado. Só Buda é capaz de saber qual ~ relação exata entre ações e seus efeitos, e explicou o caso de Nyempa Sangden da seguinte maneira: "Uma vez um rei contratou muitos homens para construir uma grande estupa. Passado algum tempo, um dos trabalhadores, por estar muito cansado, sentiu hostilidade contra o projeto do rei. Resmungou consigo mesmo: "Para que serve uma estupa tão gigantesca?". Contudo, quando a estupa ficou pronta e foi consagrada, arrependeu-se de sua raiva e ofereceu um lindo sino para ser colocado nela. A hostilidade do trabalhador causou a feiura do homem e a oferenda do sino, sua voz divina".
Precisamos entender de que modo a qualidade de nossas ações atuais determina a qualidade das experiências que teremos no futuro. Desco­nhecendo isso, criamos por ignorância todas as causas erróneas: aspiran­do à felicidade, criamos a causa do sofrimento e destruímos os próprios meios de satisfazer nosso desejo. Em Guia do estilo de vida do Bodhisattva, diz Shantideva:

Embora queiramos nos livrar do sofrimento,
Criamos a causa para esse sofrimento.
Embora queiramos a felicidade,
Tal qual inimigos, destruímos, por ignorância, nossa felicidade.

Se meditarmos intensamente sobre esse ponto, desenvolveremos a determinação: "Vou abandonar as ações não-virtuosas, porque seu resul­tado é sofrimento; vou empenhar-me em ações virtuosas, porque seu re­sultado é felicidade". Tomamos essa determinação como nosso objeto na meditação posicionada.

OS RESULTADOS DAS AÇÕES AUMENTAM

Até as menores ações não-virtuosas portam grandes frutos de sofrimento, assim como minúsculas ações virtuosas portam grandes frutos de felicidade. Desse modo, grande sofrimento ou grande felicidade podem crescer a partir de pequenas ações. Nossas ações são como minúsculas glandes que produzem gigantescos carvalhos. Embora possamos ter cria­do uma pequena ação não-virtuosa, enquanto não conseguirmos purificá­-la seu poder de produzir sofrimento crescerá dia após dia.
As escrituras citam o exemplo de uma monja chamada Upala, que vivenciou um extraordinário infortúnio antes de se ordenar. Os dois fi­lhos morreram, um afogado e o outro devorado por um chacal. O marido foi morto por uma picada de cobra venenosa. Tendo perdido a família, Upala voltou para a casa de seus pais mas, ao chegar, houve um terrível incêndio, que tudo destruiu. Upala casou-se com um não-budista e teve um filho. Esse homem era alcoólatra. Certa noite, de tão bêbado, matou próprio filho e obrigou a mãe a comer a carne da criança. Upala fugiu desse homem violento e foi para outro país, onde foi capturada por la­drões e forçada a casar-se com o chefe deles. Alguns anos mais tarde, o marido foi preso e, segundo o costume daquele país, ambos foram enterrados vivos. Entretanto, os ladrões, por desejarem a mulher, desenterra­m-na e forçaram-na a viver com eles. Por ter passado por tais tormentos e desgraças, Upala desenvolveu um fortíssimo desejo de se libertar de qual­quer tipo de existência sofredora. Procurou Buda e contou sua história.Buda explicou-lhe que, na vida anterior, ela havia sido uma das esposas
…” (pgs. 183 a 187 de: Caminho Alegre da Boa Fortuna, de Geshe Gyatso)

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