Wednesday, December 30, 2009

A Grande pergunta

O que é o eu, a consciência?
É o produto do movimento do nosso pensamento, certo?
E a morte, o que é? O fim deste pensamento, ou a sua continuidade
em vida próxima?
Se for o fim do pensamento, poderá este realizar-se enquanto vivemos?

Poderemos viver, no dia a dia, cada um no seu lugar, sem o «eu» da identificação
com o nosso nome, a nossa família, o nosso corpo, o nosso clube, os nossos cheiros, a nossa língua, a nossa religião,o nosso partido, a nossa ocupação, os nossos sabores, o nosso salvador(a), as nossas músicas, a nossa casa, o nosso transporte, o nosso emprego, as nossas caras?...
Poderá o movimento do pensamento cessar enquanto estamos vivos? Esta é a pergunta, não o que vai acontecer quando morrermos, não é verdade?

O «eu», a «mente», o «espírito» não são senão um movimento do pensamento. "E o próprio pensamento é muito limitado. É um pequeno estilhaço num vasto movimento. E, na medida em que o pensamento é limitado, uma coisa estilhaçada, um fragmento, o que quer que crie será limitado, fragmentado e fragmentável. Certo? Assim, poderá o ser humano... viver(existir) sem o movimento do pensamento que é a essência do «eu»?" - Krishnamurti, in: "Será que a humanidade pode mudar?", da Dinalivro.

Aqui estamos nós, com todos os nossos problemas, medos e sofrimentos. Será que o nosso sofrimento pode terminar, de uma vez por todas?
E, qual é a origem de todas estas confusões, incertezas, inseguranças, preocupações e esforços se não o nosso «eu», o nosso «ego»?

Bem sei que nem cristianismo, nem islamismo, nem judaismo, nem outros põem a questão nestes termos... Mas, é assim que tem mesmo de ser posta, não é? A pergunta é pois: "será possível libertarmo-nos dos «eus» que produzem todo este caos (e esta dor)... exteriormente... e também interiormente?...

Poderá o pensamento cessar, de modo a que não exista para ele nenhum futuro e aquilo que começa a partir desse momento seja de uma qualidade (e quantidade) totalmente nova(s) - e não seja apenas o ínicio do fim do(s) «eu(s)», o que poderia conduzir ao seu reaparecimento posterior?

...Algumas pessoas dizem que é pela meditação, controlando, reprimindo... Algumas pessoas dizem: «Reprime, identifica o "eu" com o Supremo, o que continua a ser movimento do pensamento.» Outras dizem: «Reduz a cinzas os sentidos todos.» E fazem isso, jejuam, são capazes de tudo com esse objectivo. Então, chega alguém como eu e diz que o esforço é a própria essência do «eu». Certo? Compreendemos isto? ...como é que escuta? ... «Um esforço de qualquer espécie apenas fortalece o "eu"...

Quando comemos, comemos porque temos fome, o estômago recebe a comida, não existe a ideia de receber a comida. Assim, seremos capazes de escutar(ler)- escutar(ler)- sem a IDEIA de receber ou aceitar ou negar ou discutir, apenas escutar(ler) uma afirmação? Pode ser falsa, pode ser verdadeira, mas escutar apenas... De que modo,então, recebe ou escuta a verdade do facto de que o pensamento é a origem do «eu»? É uma ideia, uma conclusão ou é um facto absoluto, irreversível?... Está a comparar - só um minuto - e por isso deixou de escutar(ler)? Portanto, está a escutar(ler)?... O que pensa?... Mas não se está a revelar a mim e eu estou a revelar-me a si. Por isso temos uma relação através de Buda, não uma relação directa....

Portanto, quando escutamos, estarei a escutar para me identificar com aquele facto de que se está a falar, ou não existe qualquer identificação e, por isso sou capaz de escutar de um modo completamente diferente?... Estou a escutar com uma atenção total? Ou a minha mente anda a vaguear?...Conseguirei estar tão completamente presente, que só há o acto de escutar(ler)?... Quando ouço(leio, olho) desta forma, o que acontece? A verdade de que o pensamento é a essência do «eu» e de que o «eu» cria toda esta infelicidade acaba. Não tenho de meditar, não tenho de praticar, tudo isto termina, porque vejo o perigo que aí reside. Portanto, seremos capazes de escutar(ler) tão completamente de modo a que haja a ausência do «eu»? Poderei ver, observar alguma coisa sem o «eu» - aquele céu, um belo céu - e tudo o mais?

Portanto, o cessar do pensamento, que é o cessar do «eu» ou o cortar o «eu» pela raiz - uma má imagem, mas tomemo-la -, quando há uma tal atenção activa, que não cria identificação, existirá o «eu»?... Uma escuta activa implica escutar os sentidos. Certo? Para o meu paladar, por exemplo, preciso de todo o movimento sensorial. Não se pode parar os sentidos, ficaríamos paralisados. MAS, NO MOMENTO EM QUE DIGO: «QUE SABOR MARAVILHOSO, TENHO DE TER MAIS DISTO», toda a identificação começa...

Sim, a morte. Quando o «eu» termina - pode terminar, obviamente, EXCEPTO PARA OS MAIS IGNORANTES E PARA AS PESSOAS ALTAMENTE SOBRECARREGADAS COM CONHECIMENTOS, que se identificam com os conhecimentos e tudo isso. Quando o cessar do «eu» acontece, o que se passa? NÃO NO FIM DA VIDA, NÃO QUANDO O CÉREBRO SE ESTÁ A DETERIORAR, MAS QUANDO O CÉREBRO ESTÁ EXTREMAMENTE ATIVO, CALMO, VIVO. O que acontece então, quando o «eu» não está lá? Como é que descobrimos isso? Digamos que X cessou completamente o «eu», que não aparecerá mais no futuro, num outro dia qualquer, tendo cessado COMPLETAMENTE. E ele diz: «Sim, existe em mim uma actividade totalmente diferente que não é o "eu". «De que me serve isso, a mim, e a qualquer de nós? E X responde: «SIM, O "Eu" PODE TERMINAR, HÁ UM MUNDO COMPLETAMENTE DIFERENTE, NUMA OUTRA DIMENSÃO, NÃO NUMA DIMENSÃO SENSORIAL, NÃO NUMA DIMENSÃO INTELECTUALMENTE PROJECTADA, mas uma coisa totalmente DIFERENTE.» Direi que ou ele não regula bem, ou é um charlatão, ou um hipócrita, mas quero descobrir, não porque ele(ela) o diz, mas porque eu quero descobrir. Poderei eu, como ser humano, vivendo neste mundo tremendamente duro, brutal, violento, tanto económica como social e moralmente, viver sem o «eu»? Quero descobrir... Temos de pôr tudo no seu devido lugar... Por que razão hei-de obedecer ao Papa, ou ao guru, ou às escrituras ou aos políticos? Por isso tenho de descobrir qual é o lugar certo para o sexo ou o dinheiro... Como hei-de descobrir?... Como hei-de descobrir?

Tenho a chave para isso. A chave é a não identificação com a sensação. Certo?... a qual se traduz pela designação moderna de «experiência» (experienciar)... A identificação com a sensação produz o «eu». Será possível não me identificar com a sensação?... Não identificação, essa é a verdade. Se vir, de fato, essa verdade, então o sexo, o dinheiro (a segurança, a comida...) tudo tem o seu devido lugar....

Existe a verdade de que a identificação com a sensação, com isto ou aquilo, produz a estrutura do «eu». Certo? Será esta uma verdade absoluta, irreversível, apaixonante, duradoura? Ou apenas uma ideia que aceitei como verdadeira e que posso mudar amanhã? Mas isto é irreversível. Temos de ter dinheiro - e o dinheiro dá-nos liberdade, o que quisermos - sexo, se se quiser -, o dinheiro possibilita-nos viajar, dá-nos a sensção de poder, posição... vocês sabem tudo isso. PORTANTO, NÃO-IDENTIFICAÇÃO COM O DINHEIRO. PERCEBEM?... no final o desejo tem muito pouco significado. Mas isso não significa que eu seja um vegetal morto... Portanto, tendo posto tudo no seu devido lugar - não sou eu que o faço, isso acontece porque vi a verdade deste facto - tudo entra no seu devido lugar... E, então, o pensamento está no seu devido lugar...

Quando se vê alguma coisa terrivelmente perigosa [como a(o)morte] , não se retrocede ou avança, é perigoso!... Então o que é a morte? Será possível viver a vida do dia a dia com a morte, que é o cessar do «eu»?...

A partir do momento em que se tem uma percepção interior, ela acaba...

Será a morte o cessr do «eu»? Obviamente, não é no sentido habitualmente aceite da palavra «morte», porque o sangue está a circular, o cérebro trabalha, o coração bombeia e tudo o mais...

Está vivo, mas o «eu» não existe, porque NÃO HÁ IDENTIFICAÇÃO DE QUALQUER ESPÉCIE. Isto é uma coisa espantosa. A não-identificação com coisa alguma, com experiência, com crença, com país, ideias, ideais, mulher, marido, amor, nenhuma espécie de identificação. Será isso a morte? As pessoas que ouvem chamar a isso morte dizem: «Meu Deus, se eu não me identificar com alguma coisa minha ou qualquer outra coisa, eu não sou nada.» Ora elas têm medo de não ser nada e, então, identificam-se com algo Mas, o nada, que não é uma coisa, compreende? Não é uma coisa - é, por isso, um estado mental mui diferente. Ora, isso é a morte. Morte enquanto há vida...

Os nossos cérebros estão danificados... Durante milhares de anos temos sido feridos psicologicamente... E A ÚNICA COISA QUE OS PODE CURAR É ESCUTAR ATENTAMENTE. Escutar e, nesse escutar, ter a percepção interior daquilo que se diz. E, imediatamente, há uma mudança nas células cerebrais e, por conseguinte, uma completa e total ausência de identificação. Ora, será isso o AMOR?... Falo desse amor enquanto se está vivo.

... Ainda não resolvemos a questão da morte..." - Krishnamurti, na obra supra citada.

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