Thursday, January 22, 2009

BELEZA versus Prazer/bem estar

"Muitas vezes, as teorias que melhor explicam a natureza e são as mais conformes com as experiências são também as mais belas... Há, em primeiro lugar, a beleza intrínseca dos fenómenos naturais, a das rosas, a do pôr do sol (ou do nascer e curso) a das estrelas e a das galáxias... Mas para lá da beleza física há uma beleza mais subtil e abstracta, a das teorias. Uma teoria é «bela» quando tem um carácter inevitável, necessário, e, uma vez elaborada, se impõe como uma evidência. Perante uma bela teoria, um físico dirá para si mesmo: «é de tal forma bela que deve ser verdadeira. Porque não a vi há mais tempo? É assim que a teoria da relatividade de Einstein é tão bela como uma fuga de Bach, na qual não se pode mudar uma nota sem que toda a harmonia desapareça, ou tão perfeita como o sorriso da Gioconda, na qual não se pode mudar o mínimo traço sem destruir todo o seu equilíbrio. A primeira característica de uma bela teoria é, pois, a sua aparente inevitabilidade.A Segunda qualidade é a sua simplicidade. Não se trata necessariamente da simplicidade das equações, mas das ideias que estão subentendidas na teoria. O universo heliocêntrico de copérnio, segundo o qual todos os planetas giram à volta do sol, é mais simples que o geocêntrico de Ptolomeu, segundo o qual a terra ocupa o centro, enquanto os planetas se deslocam em círculos cujos centros se movimentam também noutros círculos... Uma bela teoria não se preocupa com floreados inúteis. Cumpre as exigências da navalha de Occam: «tudo o que não é necessário é inútil.»... Consideremos, por exemplo, a teoria da relatividade de E.. Segundo a opinião geral dos físicos, é a teoria mais bela e o edifício intelectual mais harmonioso que o espírito científico jamais concebeu. Não só ligou e deu unidade a conceitos fundamentais da física até então totalmente desligados – o espaço e o tempo, a matéria, a energia e o movimento, a aceleração e a gravidade...Inevitável, simples e conforme à verdade: eis as características de uma teoria bela.Mathieu – creio que a adequação à verdade corresponde bastante à noção budista de beleza, mas aquilo a que chamamos verdadeiro, neste caso, refere-se mais à adequação com a natureza profunda do ser humano.A definição mais simples consiste na afirmação de que a beleza é aquilo que nos causa um sentimento de plenitude (ou realização), que, segundo as circunstâncias, pode ser experimentado como prazer ou bem estar. Isso permite-nos considerar diversos níveis (e tipos) de beleza associados a diferentes graus de plenitude. Poderá qualificar-se como beleza relativa o que nos traz uma satisfação passageira e como beleza absoluta o que nos leva a uma plenitude durável, mesmo irreversível.A beleza espiritual, a face de um buda, p.e., é particularmente fecunda porque nos faz pressentir o conhecimento (e o poder...) perfeitos e a possibilidade de os atingir. Tudo depende do prazer que nos trazem as formas, as cores, os sentimentos e as ideias ( e os gestos, os toques, os sons, as sensações, as obras...). É assim que a beleza pode ser compreendida de modo muito diferente segundo as pessoas a a sociedade.Thuan – A beleza obedece a critérios que dependem do contexto cultural, social, psicológico ou mesmo biológico. O modelo de beleza feminina no tempo de renoir era uma mulher com formas volumosas. Nos anos sessenta, a beleza feminina era a figura longilínea da top model Twiggy. Vincent van gogh morreu na miséria, desesperado por não conseguir vender as suas telas, que século e meio mais tarde são disputadas a peso de ouro. A apreciação da beleza de uma teoria científica ( e = mc2, p.e.) é claramente menos dependente do contexto cultural: um físico vietnamita compreenderá a beleza da relatividade geral tão bem como um seu colega francês ou americano.M. – porque são pessoas com uma formação análoga...A beleza pode também considerar-se como a harmonia das partes com o todo. Na arte budista existe uma iconografia muito precisa que define as proporções ideais para desenhar o Buda. Utiliza-se uma grelha sobre a qual se colocam a linha curva dos olhos, o oval da face e as diferentes partes do corpo. Estes traços correspondem a uma harmonia perfeita e são os reflexos exteriores da total harmonia do conhecimento perfeito.T. – sempre me impressionou o facto de todas as representações do buda... transmitirem invariavelmente um profundo sentimento de serenidade pelo seu equilíbrio e pela sua beleza.M. – a beleza varia em função da maneira como cada um entende o prazer estético ( do grego aisthetiké, «sensitivo», «o que sente»), do acessório ao essencial. Encontramos em todos os seres pensantes algumas constantes na respectiva concepção fundamental do bem estar e da plenitude. O amor e o altruismo são belos ( e também a justa medida, a nobreza, a vida, a despreocupação realista, a pureza, a higiene, a alegria correcta, a saúde, o equilíbrio, a ciatividade...) enquanto o ódio ou a inveja (e também o pessimismo, a dor, a tristeza, a preocupação excessiva, a sugidade, a injustiça, o desleixo, o vil, a morte, a preguiça, a avareza...), são feios. Repara como os primeiros podem tornar belos os rostos (e os corpos e tudo) e como os segundos desfiguram... A verdadeira beleza traduz uma adequação com a natureza profunda do ser humano... esta natureza é uma perfeição intrínseca ... quanto mais estamos de acordo com a nossa natureza profunda... ( um buda barrigudo não é uma injustiça?Longe de pertencerem ao objecto, as características da beleza relativa estão intimamente ligadas ao observador... o objecto (ser) pode ser percebido como belo quando corresponde ao que se espera. Um matemático maravilha-se com a beleza de uma equação bem concebida e um engenheiro com a beleza de uma máquina. Aquele que deseja a calma escuta, deliciado, um prelúdio de bach. O eremita que contempla a transparência última do espírito não experimenta uma tal necessidade: a sua harmonia com a natureza do espírito e dos fenómenos situa-se num outro plano; para ele(a), todas as formas são compreendidas como a manifestação da pureza primordial, todos os sons como o eco da vacuidade (interdependência global e total) e todos os pensamentos como o jogo do conhecimento. Não faz distinção entre o harmonioso e o discordante, o belo e o feio. A beleza tornou-se omnipresente e a plenitude imutável. Alguém diz: «em vão procurámos pedras da rua numa ilha de ouro.»

Págs. 316 a 320 de: O Infinito na Palma da Mão, da casa das letras

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