Wednesday, December 13, 2006



RESPIRAÇÃO
Geralmente, não ensino o método de respiração antes de me ter assegurado que a postura é mantida correctamente, durante um período de tempo razoável. Efectivamente, dois inconvenientes poderiam resultar de um ensinamento prematuro: o primeiro seria a impos­sibilidade de assegurar uma respiração correcta se a postura não for boa; o segundo seria que a concentração na respiração prejudicaria a atenção que o praticante deve ter sobre os cinco pontos principais de uma postura correcta.
A respiração zen não é comparável às respirações do yoga, as quais visam antes estabelecer efeitos fisiológicos e psicológicos parti­culares. Ela pretende, antes de tudo, estabelecer um ritmo lento, forte e natural. Através de uma respiração normal, podemos viver muito tempo de boa saúde, com um espírito equilibrado; pelo contrário, uma respiração anormal traz a fraqueza, a doença, a instabilidade de espírito e mesmo a morte.
O corpo e o espírito estão ligados, estão em tal unidade que a acção da respiração sobre o espírito é surpreendente: uma respiração profunda, lenta, calma, poderosa, varre as complicações da mente.
O espírito torna-se limpo, claro como um céu sem nuvens, lumi­noso e doce como o luar. Ele poderá assim aceder a mushin, à não­ mente, a ku, o vazio. Mushin, como disse mais acima, é o espírito sem objectivo, sem actividade, sem percepção nem não-percepção, em perfeita atenção.
Vou agora descrever o método de respiração do verdadeiro zen, insistindo no ponto de que ela deve ser natural, jamais forçada, jamais artificial, sempre a mesma, tanto em zazen e em kin hin como nas outras actividades da vida.

Inspiração

Viva, profunda. Mas não se deve contar.

Expiração

Lenta, profunda, poderosa. O ar é expirado lentamente para o exterior, enquanto a força da expiração descende poderosamente para o ventre. Podemos compará-la ao mugir da vaca ou ainda à expira­ção do bebé que grita logo que nasce.
A inspiração viva e curta e a expiração lenta e poderosa são sinais de força, de vitalidade, características do bebé ou da vaca.
Pelo contrário, a inspiração incompleta e a expiração superficial, curta, são sinais de fraqueza ou de estados depressivos. Vejam como o agonizante busca o ar aspirando com pequenas inspirações curtas e irregulares, sem expirar; vejam também a pessoa que soluça ou que tem medo - a sua expiração está bloqueada.
Este método de respiração zen é denominado uni shu, un, é o «om» sânscrito, aquela profunda e poderosa vocalização que é bija, isto é, semente. Ela acompanha a invocação de um grande número de divindades; mais esotericamente, ela pretende dar a ideia da real essência da verdade, de onde todas as energias derivam. Shu é a prá­tica de zazen, un é também o mugir da vaca.
O homem comum, quando inspira, não enche mais do que a metade dos pulmões, o ar estagna na parte superior; em zazen, a res­piração é profunda e a parte superior dos pulmões é bem ventilada.
O homem comum respira em média quinze vezes por minuto, os doentes vinte ou trinta vezes nesse mesmo tempo, mas pela prática de zazen e da sua respiração, um número de cinco a nove respirações por minuto torna-se usual, e podemos até fazer melhor: a minha res­piração no fim de uma sesshin é de uma por minuto; o meu recorde, registado por um dos meus companheiros, foi de uma respiração para três minutos.
Se as psalmodias do Maka Hannya Haramita Shingyo produzem excelentes efeitos, tal não se deve ao som, mas sim à longa duração e profundidade das respirações.
Se a respiração é boa, todas as coisas na vida se tornam fáceis.

Eis aqui uma história que ilustra a importância da respiração:

Um monge zen viajava no mar quando se levantou uma tem­pestade terrível. Todos pensavam na morte com horror. O monge disse para si: «Se devo morrer agora, quero morrer em zazen.» Tomou a postura. O barco afundou-se, o monge foi levado para o fundo. Mas a duração pouco comum da sua respiração permitiu-lhe voltar à superfície. Aí, agarrou uma tábua flutuante que o levou para uma praia. Todos os outros tinham morrido, todos os que tinham o desejo de viver; apenas ele, que tinha abandonado esse desejo, sobreviveu.”
Fonte: “VERDADEIRO ZEN”, de TAISEN DESHIMARU, da Assírio & Alvim, 2005
Comentário: por vezes penso que estas coisas são muito importantes, outras nem tanto. Além do mais, apesar de certas coisas normalmente importantes para todos, como por exemplo a higiene, não comer o que faz mal, um ambiente nem frio nem quente, não sobrepor a estética ao bem estar (p.e., uso permanente de saltos altos), umas são manifestamente mais importantes para uns do que para outros, seguramente porque uns, nesta ou noutras vidas, já praticaram mais umas coisas do que outros. É por isso que o bom mestre não fala só do que lhe parece mais importante, mas, fala de tudo.

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