Wednesday, May 03, 2006

OUTRA VEZ O ­
NUCLEAR?
A RESPOSTA CONTINUA A SER NÃO, OBRIGADO!
Os promotores do reactor nuclear europeu de água pressurizada (EPR) em Portugal afirmam que os alertas feitos por várias organizações para o perigo das instalações que usa esta tecnologia de fissão nuclear não passam de receios infundados. Será verdade?
Vamos aos factos: desde que se iniciou a actividade nuclear nos anos 50 do século passado, houve incidentes praticamente todos os anos (alguns de extrema gravidade) em centrais de produçêo de electricidade e em unidades de processamento do combustível e tratamento dos resrduos. Alguns destes incidentes (e não falamos de Three Mile Islands ou Tchernobil) envolveram dezenas de perdas de vidas e fugas radioactivas graves, com contaminação das redes e bacias de água de refrigeração.
Alguns exemplos: ChalkRiver(Canadá, 1952), fusão par­eial do núcleo com contaminação radioacIivada água de refrigera­çêo; Chelyabinsk (ex-URSS, 1957), explosão na unidade de re­processamento de resíduos; Hanford (EUA, 1970), fuga radioacti­~. va no tanque de armazenagem de residuos; GreifsWald (ex-Ale­manha de Leste, 1976), fusão parcial do núcleo com incêndio grave e falha dos circuitos de segurança; Sellafteld (RU, 1995), descarga radioactiva na água do mar; Tokay-Mura (Japão, 1999), grave acidente na unidade de processamento de combustlvel; Mihama (Japão, 2004), fuga no circuito de vapor. Poderia encher esta página com dezenas de outros exemplos. Para provar exactamente o quê? Que a estatatística nos diz que esta frequência de incidentes reportados (e não há amenor dúvida de que a maioria é ocultada) é muito maior do que nos querem fazer crer.
"Ah, mas o número de fatalidades nestes acidentes são de escassas centenas quando comparadas com os milhares que morrem todos os anos nas minas de carvão", dizem. t preciso muita insensibilidade e bastante desfaçatez para utilizar este tipo de argumentação. Então e os milhares de cancros, degenerescências e malformações que ano após ano e por uma série infindável continuam a ocorrerem vastíssimas zonas em redor dos locais afectados? E, nos casos mais graves, a condenação desses territórios a milhares de anos de locais sem vida, cenários de autêntico holocausto?
Numa apresentação pública sobre este reactor que gostaria de instalar em Portugal, Pedro de Sampaio Nunes afirmou que o EPR (como é sabido, ainda em fase de protótipo) sofreu melhorias substanciais no que respeita à segurança: duplicação da cobertura do núcleo, da sala de comando e do edifício do combustível em betão armado e redundância dos sistemas de alarme e controlo, com a consequente diminuição de um factor 10 na probabilidade de ocorrência de um acidente grave. Ao mesmo tempo, a construtora Areva anuncia uma redução de cerca de 22 por cento nos custos de investimento. Ora nem maisl Sol na eira e chuva no nabal!
Ao resultar da própria tecnologia, o “problema" é crónico e estas medidas mais não são do que o reconhecimento de que são precisos estes paliativos para resolver aquilo que se constatou serem falhas graves intrínsecas ao conceito. Por exemplo, agora não é explicado como serão evitados os riscos de explosão do hidrogénio que se formará em caso de inundação do núcleo com água para arrefecimento passivo.
Talvez por isso é que numa análise de risco recentemente elaborada pelo MIT e tornando como referência o cenário de crescimento indicado pelos promotores da energia nuclear no período 2005/2055, são previstos quatro acidentes com danificação do núcleo (só nos EUA) nas novas centrais nucleares a serem construídas de acordo com reforços de segurança deste género.
Outra questão pertinente tem a ver com a necessidade de água de refrigeração de uma central deste tipo. Uma parte desta água é vaporizada e por isso perder-se-á, não retomando ao sistema de abastecimento. Numa estimativa básica, poderemos dizer que se consumirão cerca de 80.000 m3/dia, o que equivale a cerca de 1/3 de toda a água consumida em Lisboa. No caso de Portugal, esta realidade descartará a possibilidade de se construir uma unidade destas nas bacias hidrográficas dos nossos rios por manifesta insuficiência de caudal, restando por isso o litoral atlântico. Tendo em conta a densidade demográfica da orla marítima, a sismicidade e as zonas de protecção especial, cabe perguntar: qual será o critério de escolha? Onde pensam instalar esta unidade?
E os resíduos? Uma central destas consumirá cerca de 35 toneladas/ano de combustível (uma mistura de 6xidode urânio enriquecido e plutónio) para o que foi previamente necessário explorar e tratar com sofisticados processos químicos à base de ácido sulfúrico, cerca de 40 milhões de toneladas de minério. Este combustível terá de ser processado no exterior (em França?) e transportado para o local em transporte muito especial. Cada 18 meses, produzirá cerca de 1,5 toneladas de resíduos radioactivos de alta actividade que terão de ser de novo transportados para os locais de tratamento e/ou acondicionamento final (actualmente, só em Espanha existem cerca de 3.500 toneladas destes resíduos à espera de uma decisão sobre o local e o modo como serão depositados). E como se efectuarão estes transportes especiais face ao actual clima de sabotagens e actos terroristas?
Uma nota final relativa à segurança dos fornecimentos da matéria-prima. Com os dados conhecidos hoje, o nível de reservas provadas de urânio poderá garantir a satisfação dos consumos actuais por um período de 60 anos (Pedro de Sampaio Nunes, Novembro de 2005). Para quem está tão preocupado com a escassez das reservas de petróleo e gás natural, não se afigura muito curial vir propor uma alternativa que, aos valores actuais e utilizando a mesma metodologia, tem reservas provadas inferiores às dos combustíveis fósseis já de si tão escassas como sabemos).
Decididamente, não se pode endireitar a sombra de uma vara torta!
PÚBLlCO/AnibalFernandes(Engenheiro Electrotécnico)


Fonte: Espiral - Centro Natural - Praça Ilha do Faial, 14-AIB e 13-C (Jardim Cesário Verde, à Estefânia) - 1000-168 Lisboa - T. 21-3553990

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