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74 ~ A Voz da Serenidade
É capaz de detectar dentro de si até a mais pequena sensação de não querer estar a fazer aquilo que está a fazer? Isso é uma negação da vida e, desse modo, não será possível obter resultados verdadeiramente bons.
Se for capaz de descobrir aquela sensação, será que também consegue abdicar dela e entregar-se completamente àquilo que faz?
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"Fazer uma coisa de cada vez", foi assim que um Mestre Zen definiu o espírito da filosofia Zen.
Fazer uma coisa de cada vez significa estar nela por inteiro, concentrar nela toda a sua atenção. Nisto consiste a acção realizada com entrega – a acção eficaz.
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Aceitação e Entrega ~ 75
A aceitação daquilo que é, do momento tal como ele é, transporta-o a um nível de profundidade tal que o seu estado interior e a consciência do eu já não dependem dos juízos mentais de "bom" ou de "mau".
Quando disser "sim" ao "isto é assim" da vida, quando aceitar o momento como ele se apresenta, será capaz de experimentar uma sensação de imensidão interior extraordinariamente apaziguadora.
Na aparência, poderá ainda ficar feliz quando estiver sol e não tão feliz quando chover; poderá ficar feliz se ganhar um milhão de euros e infeliz se perder todos os seus haveres. Contudo, a felicidade e a infelicidade nunca mais serão vividas de maneira tão intensa. Na verdade, aqueles sentimentos são meras rugas na superfície do seu Ser. Dentro de si, a base de paz permanecerá imperturbável independentemente da natureza das circunstâncias do mundo exterior.
O "sim" ao momento tal como ele é revela uma dimensão de profundidade interior que não está dependente nem das circunstâncias exteriores nem das condições internas de constante flutuação dos pensamentos e das emoções.
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A entrega, a não-resistência, torna-se muito mais fácil quando percebemos que todas as
experiências são transitórias e que o mundo não poderá dar-nos nada de importante que dure
76 ~ A VOZ DA SERENIDADE
para sempre. Então, poderemos continuar a conhecer
pessoas, a envolver-nos em experiências
e em actividades, mas sem as imposições e os
medos do ego. Ou seja, já não exigiremos que
uma situação, uma pessoa, um lugar ou um
acontecimento nos satisfaçam ou façam felizes.
Aceitaremos a natureza passageira e imperfeita
de tudo isso.
E o milagre acontece, quando nos abstemos de
fazer exigências impossíveis perante qualquer
situação, pessoa, lugar ou acontecimento, que
passam então a ser não apenas satisfatórios, mas
também mais harmoniosos, mais pacíficos.
Quando aceitamos completamente o momento,
quando não contrariamos aquilo que é, a
compulsão para pensar afrouxa, sendo substituída
por uma serenidade desperta. Encontramo-
nos plenamente conscientes, porém a
mente não está a rotular o momento. Este estado
de não-resistência interior abre as portas à
consciência não-condicionada, que é infinitamente
maior do que a mente humana. Esta vasta
inteligência pode então expressar-se através
de nós e ajudar-nos, tanto interior como exteriormente.
Por isso, ao abandonarmos a resistência
interior, descobrimos frequentemente que as
circunstâncias mudam para melhor.
ACEITAÇÃOE ENTREGA ~77
Será que estou a dizer: "Aproveita este momento.
Sê feliz"? Não.
Deixe que o momento seja" como é". Isso basta.
Entregar-se é render-se a este momento e não a
uma qualquer história que o explique e à qual
se resigne depois.
Por exemplo, poderá acontecer ter uma doença
que nunca mais lhe permita andar. A circunstância
é como é.
Estará a sua mente a inventar agora uma história
que diga: "Foi a isto que a minha vida chegou?
Acabei numa cadeira de rodas. A vida tratou-me
com dureza e injustiça. Eu não mereço isto”.
Será que consegue aceitar que o momento é assim,
sem o confundir com a história que a mente
elaborou à volta dele?
78 ~ A VOZ DA SERENIDADE
A entrega surge quando deixar de perguntar: "Porque é que isto me está a acontecer?"
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Mesmo na situação aparentemente mais inaceitável e dolorosa, oculta-se um bem mais profundo, e em qualquer infortúnio existe a semente da graça.
Ao longo da História, tem havido homens e mulheres que, perante grandes perdas - a doença, o cativeiro ou a morte iminente -, aceitaram o aparentemente inaceitável e assim encontraram "a paz que ultrapassa toda a compreensão" .
A aceitação do inaceitável é a maior fonte de graça do mundo.
*
Há momentos em que todas as respostas e explicações falham. Nesses casos, a vida deixa de fazer sentido. Ou, então, não sabemos mais o que dizer ou fazer quando alguém em aflição vem pedir-nos ajuda.
ACEITAÇÃO E ENTREGA ~ 79
Ao aceitar completamente que não se tem explicações para tudo, desiste-se da luta para encontrar respostas através da mente racional e limitada, e é nessa altura que uma inteligência superior pode operar através de nós. Então, até mesmo a mente pode beneficiar com essa intervenção, uma vez que a inteligência superior aflui para o pensamento e inspira-o.
Por vezes, a entrega significa desistir de querer entender e aprender a conviver bem com o facto de não se saber tudo.
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Conhece pessoas cuja principal função na vida parece ser tornarem-se infelizes, a elas próprias e aos outros, e espalharem a infelicidade? Perdoe-lhes, pois também elas fazem parte do despertar da Humanidade. O seu papel é uma intensificação do pesadelo da consciência egóica ( a crise/crises ), representa o estado de não-entrega. Mas não há nada de pessoal nisso. Não é essa a verdadeira identidade delas.
80 ~ A Voz DA SERENIDADE
Pode-se dizer que a entrega é a transição interior da resistência para a aceitação, do "não" para o "sim". Quando nos entregamos, a consciência do eu deixa de se identificar com uma reacção ou um juízo mental e torna-se o espaço em redor da reacção ou do juízo. Passamos da identificação com a forma - o pensamento ou a emoção - para sermos e nos reconhecermos como sendo aquele que não tem forma - a consciência alargada.
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Tudo aquilo que aceitar completamente irá conduzi-lo à paz, incluindo a aceitação de que não é capaz de aceitar, de que está num estado de existência.
7
A NATUREZA...”
Origem: “A Voz da Serenidade”, de E. Tolle, da Pergaminho, Lisboa
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