Monday, May 04, 2009

O prazer se torna existente em quatro fases: percepção, sensação, contacto e desejo. Vejo um belo automóvel, por exemplo; vem em seguida uma sensação, uma reacção; depois o toco com as mãos ou imagino tocá-lo; e vem então o desejo de possuir o carro e ostentar-me com ele. Ou vejo uma nuvem formosa, uma montanha claramente delineada contra o céu, uma folha que acaba de brotar na primavera, um vale profundo, cheio de encantos e esplendor, um glorioso pôr-do-sol, um belo rosto, inteligente, vivo. Olho essas coisas com intenso deleite e, enquanto as observo, não há observador, porém, tão-só a beleza pura, qual a do amor. Por um momento estou ausente com todos os meus problemas, ansiedades e aflições; só existe aquela coisa maravilhosa. Posso olhá-la com alegria e no próximo momento esquecê-la, ou, então, a mente pode interferir - e aí começa o problema: minha mente pensa naquilo que viu e na sua beleza; digo de mim para mim que gostaria de tornar a vê-la muitas vezes. O pensamento começa a comparar, a julgar, a dizer: "Quero repetir isso amanhã". A continuidade de uma experiência que por um segundo proporcionou deleite é mantida pelo pensamento.
O mesmo sucede em relação ao desejo sexual ou outro. Não há nada de mau no desejo. Reagir é perfeitamente normal. Se me picais com um alfinete, eu reajo, a não ser que esteja paralisado. Mas, o pensamento interfere, fica a ruminar aquele deleite e o converte em prazer. O pensamento deseja repetir a experiência e, quanto mais repetida, tanto mais mecânica ela se torna; quanto mais pensais nela, tanto mais força o pensamento confere ao prazer. Desse modo, o pensamento cria e mantém o prazer através do desejo e dá-lhe continuidade; por conseguinte, a reacção natural do desejo, ante uma coisa bela, é pervertida pelo pensamento. O pensamento a converte em memória, que é então nutrida pelo pensar repetidamente naquela coisa.
Naturalmente, a memória tem seu lugar próprio, num certo nível. Sem ela, não teríamos possibilidade de actuar na vida de cada dia. Em sua própria esfera, a memória tem de ser proficiente, mas há um estado (prazer) da mente onde há muito pouco lugar para ela. A mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira liberdade.
Já notastes que, quando reagis a uma dada coisa totalmente, com todo o coração, quase não fica memória? É só quando não respondeis a um desafio (então o desafio, até certo ponto é bom!) com todo o vosso ser que se apresenta o conflito, a luta, que acarreta confusão e prazer ou dor. A luta gera memória. Essa memória é continuamente acrescentada por outras memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo o que é resultado da memória é velho e, por conseguinte, nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não existe; é puro contra-senso.
O pensamento nunca é novo, porque o pensamento é a resposta da memória, da experiência, do conhecimento. O pensamento, que é velho, torna também velho aquilo que olhastes com deleite e que por um momento sentistes profundamente, do velho vem o prazer, que pode levar à dor (inferior à alegria, portanto, que não faz – neste sentido alegria é superior ai prazer); nunca do novo. No novo não existe o tempo.
Assim, se puderdes olhar todas as coisas sem permitir a intrusão do prazer - olhar uma rosa, uma ave, a cor de um sari, a beleza de uma extensão de água rutilando ao sol, ou qualquer coisa deleitável - se puderdes olhar assim, sem desejardes que a experiência se repita, então não haverá dor, nem medo e, por conseguinte, haverá uma alegria infinita.
É a luta para repetir e perpetuar o prazer que o converte em dor. Observai isso em vós mesmos. A própria exigência da repetição do prazer produz dor, porque ele nunca é a mesma coisa de ontem (muito importante – exigir repetição e fazer dessa repetição o bem estar, é estupidez, pois, nada se repete!!). Lutais para alcançar o mesmo deleite não só para o vosso senso estético, mas também para a vossa mente, e ficais magoado e desapontado, porque ele vos é negado.
Já observastes o que acontece quando vos é negado um pequeno prazer? Quando não tendes o que desejais, vos tornais ansiosos, invejosos, rancorosos. Já notastes que quando vos é negado o prazer de fumar ou de beber, o prazer sexual ou outro qualquer - já notastes as lutas que tendes de sustentar? E tudo isso é uma forma de medo, não é verdade? Tendes medo de não obter o que desejais ou de perder o que possuis. Quando uma dada fé ou ideologia que cultivais há muitos anos é abalada ou vos é arrebatada pela lógica da vida, não tendes medo de vos verdes só? Essa crença vos proporcionou durante anos satisfação e prazer, e quando vos é retirada ficais desgovernados, vazios, e o medo perdura até achardes outras formas de prazer, outra crença.
Isso me parece muito simples, e, por ser tão simples, não queremos ver a sua simplicidade. Gostamos de complicar tudo. Se vossa esposa vos abandona, não sentis ciúme? Não sentis raiva? Não odiais o homem que a seduziu? E que é tudo isso senão o medo de perder o que vos dava muito prazer, de perder essa companhia, perder aquela segurança e satisfação conferidas pela posse?
Assim, se compreendeis que quando se busca o prazer tem de haver dor, podeis, se vos aprouver, viver dessa maneira, porém com pleno conhecimento do passo que estais dando. Se, entretanto, desejais pôr fim ao prazer, o que significa pôr fim à dor, deveis estar completamente atento à estrutura total do prazer; mas não deveis repeli-lo, como o fazem os monges e os sanyasis, que não olham para uma mulher porque é pecado e, dessa maneira, destroem a vitalidade da própria compreensão: porém, cumpre ver todo o significado e importância do prazer. Encontrareis então infinita alegria na vida. Não se pode pensar na alegria. A alegria é uma coisa imediata e se nela pensais a converteis em prazer. Viver no presente é a percepção imediata da beleza e o grande deleite que nela se encontra, sem dela procurar extrair prazer.

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