Wednesday, November 28, 2007

Nyanatiloka Mahathera Buddhist Publication Society Sri Lanka 1982
Karma e Renascimento
Ao observar este mundo e pensando nos destinos dos seres, parecerá à maioria dos homens como se tudo na natureza não fosse justo. ?Por que?, perguntariam eles, ?um homem é rico e poderoso, e o outro pobre e desgraçado? Por que um homem é saudável e tem boa vida, enquanto outro é doente desde o nascimento? Por que um homem é dotado de aparência atraente, de inteligência e perfeitas faculdades dos sentidos, enquanto um outro é repulsivo, feio, um idiota, cego, talvez surdo e mudo? Por que uma criança nasce num meio de proverbial miséria e de pessoas sem moral, sendo criadas como criminosos, enquanto outra criança é nascida na abundância e no conforto, com pais de natureza nobre, usufruindo de todas as vantagens de um tratamento generoso e a melhor educação mental e moral? Por que um homem, freqüentemente sem o menor esforço, é bem sucedido em todas as suas empresas, enquanto outro que labuta duro falha em todos os seus planos? Por que pode um homem viver no luxo, enquanto outro homem tem de viver na pobreza e na angústia? Por que um homem é feliz e outro não? Por que um homem desfruta de vida longa, enquanto outro é arrebatado pela morte no nascimento? Por que isto é assim? Por que tais diferenças existem na natureza??
Estas perguntas são satisfatoriamente respondidas pelo Budismo. De todas as circunstâncias mencionadas no parágrafo anterior e todas as condições que constituem o destino dos homens, nenhuma pode, de acordo com os Ensinamentos do Buddha, vir à existência sem uma causa prévia ou a presença de um número de condições necessárias. Por exemplo, assim como de uma semente doente de manga nunca sairá uma mangueira saudável, assim também as ações volitivas, or Karma, produzidas numa vida anterior, são sementes, ou causas-raízes, de um destino desfavorável num nascimento subsequente. É um postulado necessário pensar que um destino mau ou bom de um ser, assim como seu caráter latente, não podem ser produtos de mero acaso, mas por necessidade tem suas causas em um nascimento prévio. De acordo com o Budismo, nenhuma entidade orgânica, física ou psíquica pode vir à existência sem uma causa prévia, isto é, sem um estado congênito precedente a partir do qual desenvolveu. E nenhuma entidade orgânica viva pode ser produzida por algo de todo externo a ela. Ela pode surgir somente a partir de si mesma, isto é, ela deve já ter existido na forma de semente. Além desta causa, condição-raiz, ou semente, existem muitas outras condições menores requeridas para seu atual aparecimento e desenvolvimento, assim como a mangueira necessita de terra, água, luz, e calor para germinar, além da semente. Assim, a verdadeira causa do nascimento de um ser, junto com seu caráter e destino, tem precedentes no Karma-volição produzido num nascimento prévio.
De acordo com o Budismo, existem três fatores necessários para o renascimento de um ser humano, isto é, para a formação do embrião no útero da mãe. São eles : o óvulo feminino, o esperma masculino e a energia cármica, kamma-vega, a qual, nos Suttas (sutras, discursos do Buddha) é chamada metaforicamente de ?gandhabba?, isto é, o ?fantasma?. Esta energia cármica é liberada por um indivíduo moribundo no momento da morte. O pai e a mãe somente provém a base material ou física necessária para a formação do corpo embrionário. Com relação aos pontos característicos, as tendências e as faculdades que jazem latentes no embrião, isto se explica da seguinte forma, nos Ensinamentos do Buddha: o indivíduo moribundo, com todo o seu ser apegado à vida, no momento da morte, irradia energias cármicas, como raios, os quais atingem o útero de uma nova mãe, pronta para a concepção. Assim, através da imposição das energias cármicas num óvulo e no esperma, ali surge, como que um precipitado químico, a chamada célula primária.
O processo pode ser comparado ao princípio do funcionamento das ondas sonoras, através das vibrações criadas pela fala, as quais, pela imposição do órgão acústico de um outro homem, produzem o som em nós, o qual é puramente uma sensação subjetiva. Neste processo, nenhuma transmigração de uma sensação do som ocorre, mas somente uma transferência de energia, chamada aqui de vibrações do ar. De forma semelhante, as energias cármicas, enviadas pelo indivíduo que morre, produzem um novo embrião a partir do material genético fornecido pelos pais. Entretanto, não há realmente uma transmigração de um ser de um corpo para outro, ou de uma entidade-alma - o que ocorre simplesmente é a transmissão da energia-Karma, tais como as ondas (a luz ainda é mistério por ter comportamento ambíguo, seja como fenômeno ondulatório mecânico, seja como fenômeno ondulatório magnético. Mas como toda onda, a luz agita a matéria e transporta energia, sem transferir massa. Muito antes e Max-Planck e Einstein, os quais se preocuparam só com a luz, o Buddha já falava do comportamento especial de todos os fenômenos, que se transformam e se reproduzem, sem que transfiram uma entidade independente e autônoma).
Assim podemos dizer que o processo da vida atual (uppatti-bhava) é a materialização do correspondente processo cármico pré-natal (kamma bhava). Portanto, na visão budista, não existe algo como uma alma transmigrando de uma vida para a outra. E o que chamamos de nosso ego é, em realidade, este processo de mudanças contínuas, de contínuos aparecimentos e desaparecimentos dos componentes (?agregados?) mentais, tais como percepções, sensações, tendências, contato, etc, momento após momento, dia após dia, ano após ano, vida após vida. Como a onda - que agita visivelmente a superfície do oceano - na realidade não passa de uma sucessão contínua de subidas e descidas de massas de água, transportando energia para frente, assim também, quando se observa de perto, não há qualquer entidade-Ego permanente que atravesse o oceano do Samsara (nascimentos e mortes cíclicas), porém tão somente um conjunto de fenômenos ou processos mentais e físicos (psicofísicos), sempre e novamente impelidos para frente pelo impulso da vontade de viver.
É um fato inquestionável que a condição mental dos pais no momento da concepção tem influência sobre o caráter do ser embriônico, e que a natureza da mãe pode causar um profunda impressão na criança que carrega em seu ventre. Contudo, a individualidade mental única da criança não pode ser produzida pelos pais de forma alguma. Aqui não podemos confundir a causa real produtora - isto é, o estado precedente do qual o estado posterior surgiu - com as influências contribuintes e as condições do meio exterior. Se fosse possível que o novo indivíduo, como um todo inseparável, fosse produzido inteira e exclusivamente por seus pais, então dois gêmeos não poderiam nunca apresentar tendências opostas de comportamento. As crianças, especialmente gêmeas, sem qualquer exceção, possuiriam a mesma personalidade dos pais.
Em todos os tempos, e provavelmente em todos os países do mundo, a crença em nascer repetidamente tem sido acalentada por muitas pessoas; e esta crença parece ser devido a um instinto intuitivo que jaz dormente em todos os seres. Vários grandes pensadores do mundo também ensinaram a continuidade da vida após a morte. Já nos tempos de antanho, imemoriais, ensinava-se alguma forma de metempsicose, isto é, ?transformação da alma?, ou metamorfose, ?transformação do corpo?, como por exemplo, nos ensinamentos esotéricos do Egito antigo, nos de Pitágoras, em Empédocles, Platão, Plotino, Píndaro, Virgílio, e mesmo entre os negros africanos. Muitos dos pensadores modernos também ensinam a continuação do processo da vida após a morte.
O grande cientista alemão Edgard Dacque, no seu livro intitulado ?O Mundo Primitivo, Saga e Humanidade?, comentando a respeito da crença da transmigração após a morte, mundialmente encontrada e compartilhada por todos os povos, dá o seguinte aviso : ?Os povos com cultura e conhecimento científico, tais como os antigos egípcios e os sábios indianos, agiam de acordo com suas crenças. Eles se desinteressaram por esta crença somente após o surgimento de um Helenismo e Judaísmo de realismo simplório e racionalista. Por esta razão, com relação a este assunto, seria melhor não assumirmos uma atitude anêmica de civilizados modernos, mas sim uma reverente atitude para resolver este problema e apreendê-lo em sua profundidade?.
A Lei do Renascimento pode ser feita compreender somente através do ?fluxo de vida? subconsciente, em páli, ?bhavanga-sota?, que é mencionado no Abhidhamma Pitaka, e explicado nos comentários, como por exemplo, no Visuddhi-Magga. A importância fundamental do ?fluxo de vida? subconsciente, como hipótese de trabalho para a explicação de várias doutrinas budistas, tais como o Renascimento, Karma e Lembrança de Vidas Passadas, etc, até hoje ainda não foi suficientemente reconhecida, ou compreendida, pelos estudiosos ocidentais. O termo bhavanga, ou bhavanga-sota, é similar, embora não totalmente idêntico, ao que os modernos psicólogos, tais como Jung e outros, chamam de ?alma?, ou ?Inconsciente?, mas que de maneira alguma significam a entidade-alma eterna do ensinamento cristão, porém referem-se a um processo subconsciente em eterna mutação. Este fluxo de vida subconsciente é condição imprescindível de toda a vida, e nele todas as impressões e experiências são guardadas, - ou melhor dizendo, surgem como m&uacutte;ltiplos processos de imagens do passado, ou imagens da memória, as quais, contudo, estão normalmente escondidas do plena conscientização, mas que, especialmente em sonhos, podem atravessar a porteira da consciência e tornar-se plenamente conscientes.
O Professor William James (cujas palavras sobre o ?fluxo de vida subconsciente? são traduzidas aqui da versão alemã) diz : ?Muitas realizações do gênio tem aqui o seu começo. Na conversão, na experiência mística, nas rezas, coopera com a vida religiosa. Contém todas as reminiscências que estão momentaneamente inativas, e é fonte de todas as nossas paixões, impulsos, intuições, hipóteses, preferências, superstições, em resumo, todas as nossas operações não-racionais resultam dela. É a fonte dos sonhos, etc?.
Jung, em seu ?Problemas da Alma Moderna?, diz : ?Da fonte viva do instinto surge tudo que é criativo?. E alhures : ?Tudo que foi criado pela mente humana resulta do conteúdo que foram anteriormente sementes inconscientes e subconscientes?. E ?a palavra ?instinto? não é nada mais do que um termo coletivo para todos os fatores orgânicos e psíquicos possíveis, cuja natureza é, em sua maior parte, desconhecida de nós?.
A existência do fluxo de vida subconsciente, ou ?bhavanga-sota?, é um postulado necessário. Se tudo o que nós vimos, ouvimos, sentimos, percebemos, experimentamos e fizemos, externa e internamente, se tudo isto, sem exceção, não foi registrado em algum lugar e de alguma forma, seja no extremamente complexo sistema nervoso, seja no Subconsciente ou no Inconsciente - então não seríamos capazes de lembrar o que pensamos no momento precedente; e não saberíamos nada da existência de outros seres e coisas; não conheceríamos nossos pais, mestres, amigos, etc; não seríamos capazes de pensar, já que o pensar é condicionado pelas lembranças de experiências precedentes; e nossa mente seria uma completa tábua rasa e mais vazia do que a mente de um recém-nascido, ou mais do que a de um embrião.
Assim, este fluxo de vida subconsciente, ou ?bhavanga-sota?, pode ser considerado o precipitado de todas as ações e experiências prévias, que devem ter estado em movimento desde tempos imemoriais, e deve continuar por períodos imensuráveis de tempo no futuro. Portanto, aquilo que constitui a verdadeira e mais interior natureza do homem, ou de qualquer outro ser, é seu fluxo de vida subconsciente, o qual não sabemos de onde veio e para onde vai. Como diz Heráclito : ?Nós nunca pisamos num mesmo rio duas vezes. Somos idênticos a ele, mas também não somos?, da mesma forma que lemos no Milinda-Panha : ?na ca so, na ca añño; não é a mesma, nem é outra pessoa (que renasce)?. Toda a vida, seja corpórea, consciente ou subconsciente, está em fluxo, num processo contínuo de transformação, mudança e vir-a-ser. Nenhum elemento permanente há neste processo que possa ser encontrado. Logo, não há qualquer Ego permanente, ou personalidade permanente, a ser encontrada nisto, porém meramente fenômenos transitórios. Sobre esta ?irrealidade? do Ego, o psicólogo húngaro Völgyesi em sua ?Mensagem para Um Mundo Nervoso?, nos diz:
?Sob a luz do mais novo conhecimento dos psicologistas, já começamos a reconhecer a verdade da natureza ilusória da entidade-Ego, o valor meramente relativo de seus sentimentos, e a grande dependência deste pequeno ?homem? de toda a rede complexa de fatores de todo o mundo exterior... A idéia de um ego independente, auto-sustentado e com vontade própria..... deveriam ser descartadas e para nos reconciliar com a verdade de que não existe qualquer Ego real (como já o tinha dito o Buddha há mais de 2.500 anos). O que tomamos como nosso Ego que sente é em realidade a mais maravilhosa Ilusão da natureza, etc...?. Em última análise, nem mesmo existem tais coisas como estados mentais, isto é, coisas estacionárias. Sensação, percepção, consciência, etc são, na realidade, meros processos de passagem do sentir, do perceber e de estar consciente, dentro dos quais ou fora dos quais nada de uma entidade separada ou permanente se esconde.
Assim, uma real compreensão da Doutrina de Buddha sobre Karma e Renascimento é possível somente para aquele que apreendeu, ou teve pelo menos um lampejo, da Impessoalidade, ou anattata, e da Condicionalidade, ou ida-paccayata, de todos os fenômenos da existência. Por isto, diz o Visuddhi-Magga, Capítulo 19 : ?Em todo lugar, em todos os reinos da existência, o nobre discípulo vê somente fenômenos corporais e mentais, que se mantém em movimento devido à energia de causas e efeitos. Nenhum produtor do ato volicional ou Karma vê ele separado do Karma, nenhum recebedor do Karma-resultado vê ele separado do resultado. O discípulo deve estar bem consciente que os homens sábios utilizam somente a linguagem convencional quando, com relação ao ato cármico, falam de um ?fazedor? ou, com relação ao Karma-resultado, eles falam de um ?recebedor? dos resultados.
?Nenhum fazedor dos atos é encontrado, ninguém que possa colher os frutos das ações; Fenômenos vazios se multiplicam: Esta é a única Visão Correta.
?E enquanto os atos e seus resultados persistem e continuam, todos condicionados, Não se pode encontrar um início, Como se pode ao analisar a semente e a árvore...
?Nenhum deus, nenhum Brahma, podem ser chamados de criadores desta Roda da Vida : Fenômenos vazios se multiplicam : Todos dependentes de causas e condições.?
No Milinda-Panha (Perguntas do Rei Milinda), o Rei Milinda (o Menandro dos gregos), pergunta ao monge Nagasena :
O que é isto, Venerável, que renasce?
Uma combinação psicofísica de agregados (nama-rupa, em páli), Majestade !
Mas como, Venerável ? É a mesma combinação psicofísica que a presente?
Não, ó Rei ! Porém, a presente combinação psicofísica realiza atividades volicionalmente salutares e não-salutares, e através desse Karma uma nova combinação psicofísica renascerá !
Do ponto de vista da Verdade Absoluta, ou paramattha-vasena, não existe tal coisa como uma entidade-Ego, ou Personalidade (do latim ?persona?, ou ?máscara?), assim não podemos falar verdadeiramente de renascimento deste ou daquele indivíduo. O que de fato ocorre é que um processo psicofísico (humano ou outro qualquer), o qual foi cortado pela morte do corpo, continua imediatamente em algum outro lugar, em conformidade estrita às suas causas e condições.
Similarmente nós lemos no Milinda-Panha :
O renascimento, Venerável, então acontece sem transmigração?
Sim, ó Rei !
Mas como, Venerável, pode um renascimento acontecer sem a transmissão de alguma coisa ? Por favor, ilustre-me com um exemplo.
Se, ó Rei, um homem desejar acender uma lamparina com a ajuda de uma outra lamparina, neste caso a luz de uma lamparina passou para a outra ?
Não, Venerável !
Da mesma forma, ó Rei, o renascimento ocorre sem a transmigração.
Mais além no Visuddhi-Magga, lemos no Capítulo 17 : ?Aquele que não tem um idéia clara a respeito da morte, e que não sabe que a morte consiste na dissolução dos cinco grupos de agregados da existência (a saber : corporalidade, percepções, sensações, formações mentais e consciência), pensa e acredita que é uma pessoa ou ser, que morre e transmigra para um novo corpo, e assim por diante. E aquele que não tem uma idéia clara a respeito do renascimento e não sabe que o renascimento consiste no surgimento dos cinco grupos de agregados da existência, pensa e acredita que é uma pessoa, ou um ser que renasceu, ou que a pessoa reapareceu num novo corpo. E aquele que não tem uma idéia clara sobre o Samsara (roda da vida, roda nascimentos e mortes no Budismo), pensa e acredita que uma entidade real vagueie deste mundo para outro, venha daquele mundo, etc. E aquele que não tem uma idéia clara sobre os fenômenos da existência, pensa que os fenômenos são seu Ego ou qualquer coisa relativa a ele, como algo permanente, alegre e prazeroso. E aquele que não tem uma idéia clara sobre o surgimento condicionado dos fenômenos da existência, e a respeito do surgimento das volições cármicas devido à ignorância, or avijja, pensa e acredita que é o seu Ego que compreende ou não compreende, que age ou faz agir, ou que entra numa nova existência no renascimento. Ou pensa e acredita que os átomos ou um Criador, paralelo ao processo embriônico, moldam o corpo e provém as várias faculdades; que exista um Ego que receba as impressões sensórias, que sinta, que deseje, que se apegue, que de novo entre numa nova existência. Ou pensa e acredita que todos os seres vêm à existência devido à fatalidade ao casualidade..?
?Um mero fenômeno é isto, uma coisa condicionada, que surge numa existência adiante. Mas não de uma vida prévia ela transmigra, Ainda assim, não pode surgir sem uma causa prévia?.
?Quando surge este fenômeno mental-corporal condicionado (o feto), as pessoas dizem que ele entrou numa nova existência. Contudo, nenhum ser (satta), ou princípio de vida (jiva) transmigrou de uma vida passada para a presente, e ainda assim, o feto não viria à existência sem uma causa prévia?.
Este fato pode ser comparado ao reflexo da nossa própria face num espelho, ou a repetição de nossa voz num eco. Assim como a imagem no espelho ou o eco surgiram sem a transferência de nossa face ou de nossa voz, da mesma forma ocorre o surgimento da consciência no renascimento. Se existisse uma completa identidade ou igualdade entre o nascimento anterior e o posterior, assim o leite não viraria coalhada, por exemplo, seria sempre leite; e se existisse uma completa falta de identidade ou dessemelhança, a coalhada não poderia nunca surgir a partir do leite, por exemplo. Portanto, não se pode assumir nem uma completa identidade, nem a total diferença nos diversos estágios da existência. ?Na ca so, na ca añño?, ou ?nem o mesmo, nem outro?. Como já dissemos, toda a vida corpórea, consciente ou subconsciente, está fluindo, um processo contínuo de transformação, mudança e vir-a-ser.
Resumindo, podemos dizer : em última análise, não há realmente seres ou coisas, criador nem coisa criada, o que existe são somente estes processos mentais e corporais. Todo o processo da existência tem um lado ativo e outro passivo. O lado ativo ou causal, consiste no processo cármico - kamma-bhava - isto é, de atividade cármica salutar (?boa?) ou não-salutar (?má?), enquanto o lado passivo ou causado consiste de resultados ou kamma-vipaka, ou seja, o conhecido Renascimento ou Processo da Vida (uppatti-bhava), de nascimento, crescimento, decadência e morte.
Portanto, no sentido absoluto, não existe qualquer ser real que vagueie nesta roda de renascimentos, mas tão somente este processo dual e sempre mutante de atividades cármicas e resultados cármicos.
A vida presente é um reflexo da vida passada (vide o exemplo do espelho), e a vida futura, será um reflexo da presente. Ou, a vida presente é o resultado de atividades cármicas passadas, e a vida futura, o resultado da atividade cármica presente. Não há como encontrarmos uma entidade-Ego que poderia ser o Realizador das atividades cármicas ou ser o recipiente de seus resultados. Portanto, o Budismo não ensina qualquer transmigração, já que no mais lato sentido, não há tal coisa como um Ser, ou entidade-Ego, muito menos sua transmigração.
Em cada homem, como já mencionado, existe latente um instinto nato de que a morte não pode ser o fim de todas as coisas, mas que, de alguma forma uma continuação deve ocorrer. De que maneira, contudo, as pessoas não sabem claramente.
Talvez seja verdadeiro que uma prova direta do renascimento não possa ser dada. Nós temos, contudo, relatos autênticos de crianças em Burma (Birmânia), e de outros lugares, que são capazes de lembrar eventos distintos de vidas passadas. E como poderíamos explicar o nascimento de tais prodígios, como Bentham, que podia ler Latim e Grego aos quatro anos de idade, ou como Stuart Mill, que na idade de três anos lia em Grego, e aos seis anos escreveu a História de Roma, ou ainda como Babington Macaulay, que com seis anos escreveu um Compêndio de História mundial; ou como Beethoven, que dava concertos públicos aos sete anos; ou como Mozart, que escreveu composições musicais antes dos seis anos, ou como Voltaire, que leu as Fábulas de Fontaine quando tinha só três anos de idade...Não é razoável assumir que todos estes prodígios e gênios, que na maioria vieram de pais humildes e incultos, já haviam lançado os fundamentos de suas faculdades extraordinárias em vidas passadas (dizer que são bênçãos de ?Deus? revela o caráter exclusivista, elitista e até impiedoso e sem amor deste mesmo ?Deus?, que na teoria cristã dota um de faculdades soberbas e outro com nada para travar a vida)?
Como poderíamos explicar também que uma criança nascida de pais e ancestrais corretos, sadios de corpo e mente, às vezes demonstrem tendências do tipo de um criminoso, percebidas até pela forma do crânio, pela expressão facial, pela atitude mental e pelo comportamento, reconhecidos por frenologistas, por fisiognomonistas e psicólogos?
Podemos, logo, dizer com segurança que a doutrina budista de Karma e Renascimento oferece a explanação mais filosoficamente plausível para todas as variações e diferenças na natureza, como apresentamos até aqui.
O Budismo ensina que, se numa existência prévia, o Karma físico, verbal e mental, ou atividades volicionais, foram determinadas pelos três venenos (avidez, raiva e ignorância), assim influenciarão desfavoravelmente o ?fluxo de vida? subconsciente, manifestando resultados desagradáveis e ruins na vida presente; e desta forma, o caráter e as novas ações serão induzidas ou condicionadas pelas más imagens mentais do ?fluxo de vida? subconsciente. Se, por outro lado, em vidas prévias os seres semearam boas sementes (ações de corpo, palavra e mente baseadas no desapego, no amor-compaixão e na sabedoria), então eles colherão bons frutos no presente. Está dito no Majjhima Nikaya, 135 : ?Os seres são os donos de seu Karma - as ações volicionais -, são os herdeiros de seu Karma, o Karma é o ventre de onde eles nasceram, Karma é o amigo e o refúgio. Seja qual for o Karma que realizem, salutar ou não, kusala ou akusala, eles são os herdeiros de seu Karma? (as palavras kusala e akusala significam muito mais do que ?saudável? ou ?não-saudável?. Significam ?total?, ?pleno?, ?hábil? para kusala e o oposto para akusala).
No Majjhima Nikaya, 135, um brâmane propõe a seguinte pergunta ao Buddha : ?Existem homens que vivem pouco, e aqueles que vivem bastante; existem homens que são muito doentes, e aqueles que são muito saudáveis; existem homens que são muito feios, e outros que são muito belos; existem homens que não tem poder, e outros que são poderosos; existem homens que são pobres, e outros que são ricos; existem homens que são de famílias de moral baixa, e outros que vem de famílias de moral alta; existem homens estúpidos, e outros inteligentes. Qual a razão, Mestre Gautama, de encontrarmos tantas diferenças entre os seres humanos??
O Abençoado deu a seguinte resposta : ?Donos de seu Karma são os seres, herdeiros de seu Karma; o Karma é o ventre de onde eles nasceram, Karma é o amigo e o refúgio. Assim o Karma divide os seres.
No Anguttara-Nikaya, III, 40, lê-se : ?Matar, roubar, adultério, mentir, difamar, palavras duras e ofensivas, conversas vãs, se praticadas, cultivadas e freqüentemente realizadas, levarão a estados de miséria, ao reino animal ou dos fantasmas (petas)?. E mais : ?Aquele que mata e é cruel, ou cairá em estados infernais ou, renascendo como ser humano, terá vida curta. Aquele que tortura outros seres, será afligido por doenças. Aquele que odeia será horrível; aquele que inveja não terá influência, o estúpido será de baixa estirpe, o indolente será ignorante?. No caso inverso, o homem renascerá em céus felizes; ou se renascer como ser humano, será dotado de saúde, beleza, influência, riquezas, nobreza e inteligência.
O Dr. Grimm, em seu livro ?A Doutrina de Buddha?, tenta mostrar como a Lei da afinidade pode, no momento da morte, regular a tomada de um novo germe. Ele diz: ?Aquele que, destituído de compaixão, pode matar seres humanos ou mesmo animais, carrega no seu íntimo uma inclinação para encurtar a vida. ele encontra satisfação, ou mesmo prazer, em encurtar a vida de outros seres. Germes de vida curta, portanto, tem uma afinidade com ele uma afinidade que se faz valer no momento da morte de tal pessoa, levando-a para um outro germe de vida, para seu próprio detrimento. De forma análoga, germes que estão se desenvolvendo num corpo deformado tem uma afinidade com aqueles que encontraram prazer em tratar mal desfigurando o próximo. Qualquer pessoa que carrega muita raiva ou revolta dentro de si tem uma afinidade com corpos esteticamente feios, sendo uma característica da raiva desfigurar rostos. Aquele que é invejoso, mesquinho, avarento, egoísta, arrogante, carrega em seu íntimo a tendência de ter aversão a outras pessoas e odiá-las. De acordo com isto, os germes que tem afinidade com este tipo de pessoas são os destinados a se desenvolverem em circunstâncias miseráveis e pobres?.
É desejável que aqui retifiquemos o significado de ?Karma? em sânscrito, - ou ?Kamma?, em páli, - de algumas concepções errôneas da palavra no ocidente. ?Karma? vem da raiz ?kar?, ?fazer?, ?agir?, e assim significa ?feito?, ?ação?. No uso budista da palavra (o que difere muito do uso hinduísta), ?Karma? é o nome que se dá para o impulso de volição ou vontade, seja salutar ou não-salutar (kusala cetana - akusala cetana) e à consciência ou fatores mentais associados com estes, exteriorizados como atos mentais, verbais e corporais. ?Karma?, no Budismo, é vontade. Nos Sutras encontramos o Buddha dizendo : ?Cetanaham bhikkhave kamman vadami, cetayitva kamman karoti kayena vacaya manasa? : ?a Vontade, ó monges, é o que chamo de Karma. Através da Vontade a pessoa gera ?Karma? pelas portas do corpo, da palavra e da mente?. Assim, ?Karma? é ação volicional, nada mais, nada menos. Deste fato, resultam os três seguintes pontos :
O termo ?Karma? não compreende o resultado da ação, como muitos no ocidente acreditam, confundidos pelos ensinamentos teosóficos. Karma é ação volicional salutar ou não-salutar; para o resultado da ação temos o termo ?Karma-vipaka?.
Existem pessoas que erroneamente consideram cada acontecimento, até mesmo nossas novas ações salutares ou insalutares, como o resultado de nosso Karma pré-natal. Em outras palavras, elas acreditam que os resultados novamente tornam-se causa de novos resultados, assim ad infinitum. Pensando desta forma elas estão rotulando o Budismo como fatalismo; mas elas terão de chegar à conclusão de que, se for esse o caso, nossa sorte não poderá nunca ser influenciada ou mudada, e nenhuma liberação (que tantas religiões pregam) será alcançada. Budismo não é fatalista, nem tudo é ?Karma? !
Existe uma terceira aplicação errônea do termo ?Karma?, sendo uma implicação da visão de que este termo também inclua e signifique o ?resultado da ação?. É o conceito do assim chamado ?Karma distributivo?, isto é, ?Karma de grupo?, ?Karma das massas?, ou ?Karma nacional?. De acordo com este ponto de vista, um grupo de pessoas, ou nação, ?paga? pelas ações más realizadas pelos ancestrais dessas pessoas, na família ou numa nação. Em realidade, contudo, nem todas as pessoas no momento presente são herdeiras cármicas dos indivíduos que as precederam... de acordo com o Budismo, é realmente verdade que qualquer um que sofra fisicamente, esteja sofrendo pelos seus atos passados e presentes. Mas também ensina que os indivíduos nascidos no seio de uma nação (ou família) sofredora deve, se em verdade sofre com eles, ter feito alguma coisa em algum lugar, em alguma das inúmeras esferas da existência, para que isto viesse a ocorrer com ele, em particular; mas ele pode não ter tido nada a ver com tal nação ou família anteriormente. Poderíamos dizer que, através de seu ?mau Karma?, ?a pessoa? (o fluxo de vida subconsciente) foi atraída para as más condições daquela nação ou família, que lhe era afim (em outras palavras, não há como ?distribuir? igualitariamente os atos dos nossos antepassados por todos os membros de uma nação ou família. O que os antepassados fizeram só pôde criar o ambiente histórico-sócio-cultural presente para o qual ?pessoas? afins são atraídas carmicamente, individualmente). Em resumo, o termo ?Karma? se aplica, em cada caso, somente para as ações salutares ou não-salutares de um único indivíduo. ?Karma? então forma a causa, ou a semente, da qual os resultados surgirão para o indivíduo, seja nesta vida ou numa posterior (o Budismo não pode ser fatalista, pois o ?Karma?, como toda semente, igualmente pode ?morrer?, também devido a tantas outras causas e condições).
O termo páli ?vipaka? é geralmente traduzido nas línguas européias como ?efeito? ou ?resultado?, o que não é muito exato. De acordo com o Katthavatthu, refere-se unicamente aos resultados cármicos produzidos mentalmente, tais como as sensações prazerosas e dolorosas e outros estados mentais primários, enquanto que para os fenômenos corpóreos, tais como os cinco sentidos, o termo aplicado não é ?vipaka?, mas ?kammaja? ou ?kammaja- samutthana?, isto é, ?nascido do Karma?, ?produzido pelo Karma?.
O homem tem em seu poder a capacidade de moldar seu destino futuro por meio do uso (consciente) da Vontade e da ação. Depende de suas ações, ou Karma, se seu destino o levará às alturas ou jogá-lo na lama, à felicidade ou à miséria. Além disso, Karma é a causa e semente não somente para a continuação do processo de vida após a morte, isto é, para o renascimento, como mesmo na vida presente nosso Karma pode produzir bons e maus resultados, e exercer influência sobre o nosso caráter e destino. Assim, por exemplo, se diariamente a pessoa praticar atos de bondade para com todos os seres, pessoas e animais, ela crescerá em bondade. O ódio, e todas as ações realizadas através do ódio, bem como todos os estados mentais maus e agonizantes produzidos pelo ódio, não poderão surgir numa mente treinada em bondade. Nossa natureza e caráter tornar-se-ão firmes, felizes, pacíficos e calmos.
Se praticarmos o não-egoísmo e a tolerância, a avidez e a avareza diminuirão. Se praticarmos o amor e a bondade, a raiva e o ódio desvanecerão. Se desenvolvermos Sabedoria e conhecimento, a ignorância e a ilusão gradualmente desaparecerão. Esta é a prática budista! Quanto menos avidez, ódio e ignorância (lobha, dosa e moha) existir no coração do homem, menos ele cometerá ações não-salutares do corpo, da palavra e da mente. Devemos saber que todas as coisas más, todo mau destino, estão enraizados nestas raízes de avidez, ódio e ignorância; e destas três a ignorância (moha ou avijja) foi apontada por Buddha como a principal causa de todos os males e misérias no mundo. Se não existisse mais qualquer ignorância (a respeito da vida e da Realidade), não existiriam mais a avidez e o ódio, a raiva, nem mais renascimentos, sofrimentos, ou insatisfatoriedade.
O objetivo, contudo, no sentido último, só será atingido pelo ?arahat ou arahant?, ou aquele que para sempre e definitivamente conseguiu livrar-se destas três raízes em si mesmo, e isto se consegue através do crescimento em Visão penetrante (especial) ou vipassana, que apreende perfeitamente as três características de toda a existência e de todos os fenômenos, a saber: Impermanência, Impessoalidade e Insatisfatoriedade. Este Insight, através de um total desapego, penetra todas as formas da existência. À medida que a avidez, a raiva e a ignorância forem completamente banidos, a vontade pela vida, este apego tenaz à vida, terminará. Não ocorrerão mais renascimentos, e o objetivo do homem nesta Terra será cumprido, a saber: a extinção de todo renascimento e sofrimentos. Assim o ?santo? ou ?arahant? não gera mais Karma, isto é, ações volitivas boas ou más que produzam nova existência. Embora um ?santo? certamente não seja inativo e tudo que faça, pense e fale seja considerado ?bom?, ele não tem o mais leve traço de apegos, orgulho ou asserção de ego. Não deixa mais pegadas.
O que chamamos de caráter de uma pessoa em realidade é o somatório das tendências subconscientes parcialmente produzidas em condições pré-natais, e parte produzida pelas ações volitivas do presente. Estas tendências são, durante a vida da pessoa, as indutoras de atividades salutares ou não-salutares, através do corpo, da palavra ou da mente. Se, contudo, esta sede pela vida, enraizada na ignorância, for plenamente extinta, então não haverá renovação de renascimento. Uma vez que a semente de um coqueiro é destruída, não teremos mais coqueiro. De maneira idêntica, não haverá a entrada de novo numa nova existência, uma vez que as três raízes que a afirmam - a avidez (apego),o ódio (raiva) e a ignorância, forem destruídas. Aqui não devemos nos esquecer que expressões que se referem à personalidade, tais como ?eu?, ?ele/ela?, ?Abençoado?, são meros nomes convencionais que damos para um fenômeno de vida impessoal.
Com relação a isto, devemos dizer que, de acordo com o Budismo, a última volição cármica antes da morte (ou perda da consciência), maranasanna-kamma, determina de imediato a direção do novo nascimento. Em países budistas, é portanto um costume relembrar à pessoa moribunda as boas ações que realizou em vida, com o intuito de levá-la a um estado cármico puro e feliz, como preparação a um renascimento favorável. Ou parentes oferecem coisas à Sangha (Comunidade) monástica, em benefício do morto, dizendo (e gerando a intenção mental) : ?Estas coisas oferecemos à Comunidade, pelo bem de seu futuro e pela sua felicidade?. Ou eles pedem que se faça um sermão, uma recitação de noite e dia, freqüentemente o Satipatthana Sutta.
O Visuddhi-Magga, 17, diz que no momento antes da morte, aparecerá, via de regra, à memória de um malfeitor, a imagem mental de qualquer mal que tenha feito anteriormente, ou pode surgir ante seus olhos mentais uma circunstância relacionada, ou um objeto, chamado kamma-nimitta, relacionado com o mal feito, tal como sangue derramado, uma adaga manchada de sangue, etc; ou aparecerá para ele a imagem de seu renascimento miserável iminente, gati- nimitta, tal como fogos ardendo, e assim por diante. Para um outro homem moribundo, pode aparecer em sua mente a imagem de um objeto voluptuoso, excitando seu desejo sensual.
Para um bom homem pode surgir à sua mente qualquer ato nobre que tenha realizado anteriormente, ou a imagem de um objeto que estava presente então, como kamma-nimitta, ou ele pode ver em sua mente seu renascimento iminente, como gati-nimitta, tal como um palácio celestial, etc (os tibetanos tem ensinamentos análogos no Bardo Thödol)
Na versão chinesa do texto Mahayana ?Bhavasankranti Sutra?, encontramos : ?quando, ao fim da vida, a consciência mental está para desaparecer, então todas as ações realizadas surgem ante a pessoa, assim como a imagem de uma mulher surge nos sonhos para um homem... Assim, ó Rei, quando a consciência desaparece e a futura consciência renasce, ela renasce entre os homens, ou entre deuses, semideuses, espíritos famintos ou em estados de miséria. Imediatamente após o surgimento da futura consciência, ó Rei, uma nova série de pensamentos (citta-santati) surge para usufruir os frutos resultantes que deverão ser usufruídos. Ó Rei, nunca houve coisa alguma que possa transmigrar do mundo presente para o mundo futuro. Porém o fruto de qualquer ação pode ser alcançado no renascimento. Você deve saber, ó Rei, que quando a consciência passada desaparece, a isto chamamos de morte. Quando a consciência futura surge, a isto chamamos de nascimento. Quando a consciência passada desaparece, ó Rei, não há lugar algum em que ela se esconda. Quando a consciência futura surge, não há lugar algum do qual ela tenha vindo?.
Nos discursos (sutras) do Cânone Páli, três tipos de Karma, ou ação volicional, são descritas, com relação ao tempo em que frutificam, a saber:
Karma que dá fruto nesta vida - ditthadhamma-vedaniya-kamma;
Karma que dá fruto vida seguinte - upapajja-vedaniya-kamma;
Karma que dá fruto nas próximas vidas - aparapariya-vedaniya-kamma;A explanação destes termos são muito técnicas para o espaço que temos neste livro, no momento. Mas podemos dizer que elas implicam no seguinte : o que parece um único ato de percepção sensorial, por exemplo, ou de reconhecimento mental, na verdade consiste de uma série de momentos de pensamentos consecutivos realizando diferentes funções no processo cognitivo (análogo a um computador ?rodando? ou executando milhões de informações a cada instante). A fase do processo onde a volição cármica é produzida consiste de inúmeros momentos de pensamento impulsivos, ou javana-citta, que passam e grande velocidade, um após o outro, em rápida sucessão (interessante o Buddha ter descrito o princípio de funcionamento de um processador de computador ao descrever a mente). Agora, desta série momentos de pensamentos impulsivos (na hora da morte), o primeiro dará fruto na vida presente, e o último na vida seguinte, e os outros entre estes dois frutificarão nas vidas futuras.
Os dois tipos Karma que frutificarão nesta e na próxima vida, podem às vezes, tornar-se sem efeito, ou ahosi- kamma. O Karma, contudo, que frutificará em vidas mais além, irá, assim que a oportunidade e o lugar permitirem, dar seus frutos, e enquanto este processo de vida continuar, este tipo de Karma nunca se tornará sem efeito.
O Visuddhi-Magga divide Karma de acordo com suas funções, em quatro tipos :
1.-
reprodutivo (janaka);
2.-
de suporte (upatthambhaka),
3.-
desfavorável (upapilaka),
4.-
destrutivo (upaghataka), sendo que qualquer um destes podem ser ou salutares ou não-salutares.
O Karma reprodutivo, ou janaka-kamma, é o Karma que predomina na hora da morte e condiciona a existência presente. Ele funciona desde o momento de nascimento e continua a gerar, através da sucessiva continuidade da vida, fenômenos corpóreos e fenômenos mentais neutros, tais como os cinco sentidos e os fatores mentais associados aos sentidos, como sensação, percepção, impressão sensorial, etc.
O Karma de suporte, ou upatthambhaka-kamma, é o Karma que suporta, conforme sua natureza, os fenômenos agradáveis e desagradáveis que surgem durante a vida da pessoa, assegurando a continuidade desses fenômenos.
O Karma desfavorável, ou upapilaka-kamma, é o Karma que contrabalança e confronta os fenômenos agradáveis e desagradáveis, gerados pelo Karma reprodutivo, e não os permite continuar.
O Karma destrutivo, ou upaghataka-kamma, é o Karma que destrói um Karma mais fraco, e admite somente seus próprios resultados, sejam eles agradáveis ou não.
No Comentário ao Majjhima-Nikaya, 135, o Karma reprodutivo é comparado ao fazendeiro que faz a semeadura; o Karma de suporte é comparado à irrigação, à adubação e à observação dos campos; o Karma desfavorável é comparado à seca que causa uma colheita magra, e o Karma destrutivo, ao fogo que destrói toda a plantação.
Uma outra ilustração : o renascimento de Devadatta (um primo do Buddha) numa família real foi devido ao seu bom Karma reprodutivo. Ele se tornar um monge e desenvolver poderes espirituais foi devido ao seu Karma de suporte. Sua intenção de matar o Buddha foi um Karma desfavorável, enquanto que ele ter causado dissensão na Comunidade monástica foi um Karma destrutivo, devido o qual ele renasceu em estado de miséria.
Esta fora do escopo deste trabalho dar uma descrição detalhada das muitas divisões do Karma que encontramos nos Comentários. O principal objetivo aqui neste ensaio foi enfatizar que a Doutrina Budista do Renascimento não tem nada a ver com a transmigração das almas, ou de uma entidade-Ego, já que na Realidade Última, não há egos, mas meramente a continuação de um processo de mudança mental e corporal, que é um fenômeno psicofísico da existência. E que ambos os processos de Karma quanto o de Renascimento só podem ser compreendidos com o postulado da fluxo de vida subconsciente, que jaz em toda natureza animada.
Tradução não oficial, por Carlos Lessa, em 10/06/2.001

http://www.geocities.com/callceb/Karma.html

No comments: